Folia do Tritão

Fevereiro aconteceu com sua batida intensa, cheiro de álcool e cores espalhadas pelas ruas do Brasil. Era o desabrochar de uma nação após a hibernação forçada pela pandemia. Em meio aos foliões procurava os amigos. Combinar não dispersar durante a folia foi em vão. Os atrativos carnais da festa aparentemente venceram o bom-senso e um a um o grupo de cinco pessoas foi se diluindo. A cidade rescendia a magia e promessas de sexo fácil. Aos trancos Selena conseguiu se livrar  da maré que seguia o trio e caminhar até a beira do mar. Sempre preferiu a Paraty dos barcos, da feira literária e da introspecção junto à natureza, sem Rei Momo.  Retirou os sapatos sentindo o atrito da pele com a areia molhada. Sentou na areia, exausta. Fechou os olhos por alguns minutos e ao abri-los percebeu uma presença – Os cabelos longos, olhos claros e um corpo musculoso bronzeado. Ele parecia ter uns 35 anos, apesar do cabelo já ligeiramente prateado. Um belo homem,  vestido como um rei Tritão. Os olhares se misturaram pouco antes das bocas se encontrarem. Sentia o corpo incendiar em um arrepio que percorreu cada pelo e retesou cada músculo. Não houve convite, apenas concordância muda: Ele caminhou em direção ao mar e ela o seguiu, hipnotizada e devota, consciente de que aquele encontro mudaria tudo.  Os corpos se misturaram ali, banhados pela espuma. Os beijos salgados de mar, a pele ardente de sal e paixão. Perdeu-se no tempo, incapaz de perceber quantas horas se passaram ou vezes vezes atingiu o ápice ao colidir com aquele corpo rígido.  Nunca havia alcançado tal frenesi.

Acordou no hospital, desidratada e queimada pelo sol. O Carnaval acabava naquele sábado que deveria ser o primeiro dia de diversão. Sentia-se culpada por estragar os planos mas não logrou convencer seus amigos a deixarem-na sozinha para curtir as festas tão aguardadas. Nos dias seguintes procuraram o homem que foi ao carnaval vestido de Tritão e partiu levando ocoração de Selena, deixando apenas com um cordão de pérolas obscenamente valioso decorado por um pingente delicado: Uma concha incrustada em prata.

    Algumas artesãs souberam sua história e foram visita-la  levando flores, quitutes típicos e uma história sobre o Rei dos Mares que, em busca de uma mulher capaz de lhe dar um herdeiro,  anualmente seduz uma jovem. Nove luas depois uma criança nasce – Se nascer menina, torna-se sereia e vai morar com ele no reino das águas e a mãe, enlouquecida de saudades da cria e do Rei, cedo ou tarde salta ao mar e morre. A mulher que lhe der um menino está destinada a receber seu coração e governar os mares a seu lado para todo o sempre. 

  Na Quarta Feira de cinzas, pegaram a estrada. Os amigos animados, planejando o próximo feriado não percebiam Selena calada, olhando pela janela. Ela ainda sentia o cheiro do mar agarrado na pele, não era apenas a brisa, era algo mais intenso, como se o oceano estivesse dentro dela, invadindo seu coração, sua alma e seu útero. Instintivamente, levou as duas mãos ao ventre e 

Olhando para a linha do horizonte, pôde de vê-lo acenar para ela, cercado por muitas meninas de cabelos prateados que nadavam, saltando entre as ondas.

Abriu o vidro do carro e acenou com um lenço branco, não conseguindo impedir que o vento o roubasse fazendo-o flutuar em direção ao mar. Naquele instante teve a certeza que em um ano morreria ou se tornaria rainha. Os olhos transbordaram o mar que revolto batia contra o seu peito a impedindo de respirar. Era o início do derradeiro adeus. 


Esse post faz parte do BEDA: Blog Everyday August (Pois é, estou tentando participar novamente. Será que dessa vez passo dos dez primeiros dias? Só me seguindo para saber…rs)

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