Da chuva e do frio na alma

A chuva não dava trégua – era final de tarde, início da noite e já estava escuro. Ela caminhava pelas ruas do centro, mal protegida pelo guarda chuva, ignorando os pingos grossos que conseguiam molhar seu rosto. Na verdade, ela gostava da chuva, assim como amava o frio, a escuridão e o som dos pneus dos carros passando pelas poças de água. Gostava do cheiro da água que caía do céu misturado ao calor do escapamento dos carros. Ela observava os prédios antigos com suas rachaduras, a água se acumulando pelas sarjetas, as folhas das árvores caindo pelas calçadas na beira do canal. Prestava atenção em tudo, apesar do cansaço típico do final de um longo dia de trabalho. Na verdade, tudo que ela via era poesia – a poesia da cidade se misturando com a poesia da natureza. Perguntava-se como ou porque as pessoas andavam com tanta pressa, sem se atentar aos detalhes sutis do dia a dia – Chuva, frio, cheiros, ruídos, os ônibus lotados de pessoas e suas histórias – qual a história de cada um? Ela não entendia como alguém conseguia caminhar com tanta pressa a ponto de não notar a poesia de cada detalhe. Então ela os viu: Um casal jovem, encostados no muro. Ignoravam a chuva que os molhava enquanto suas bocas se buscavam em beijos apaixonados. Eles simplesmente se permitiam existir e fazer parte de todo aquele ruído poético da cidade. Aparentemente, ninguém mais os observava – o amor juvenil é uma poesia tão sublime que os olhares apressados das pessoas nem pareciam notar. Então sentiu frio – não o frio da chuva que conseguia atingi-la apesar do guarda-chuva. Não o frio do vento cortante. Aquela cena a fez sentir o frio que trazia na alma – a solidão, a saudade, a vontade de estar ali, existindo sob a chuva nos braços do seu bem-querer. Ela sabia que nada poderia aquecer sua alma naquele momento – ela trazia a chuva fria dentro de si e precisava deixar chover em lágrimas e em palavras para lembrar a todos que em toda parte há poesia, e que nem toda poesia é feliz, mas até mesmo as poesias mais tristes – e talvez principalmente as poesias mais tristes – são belas.

(18-06-2018)

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Passaporte da Leitura: Peru

Quem não sonha viajar o mundo? Muitas vezes esse sonho fica mais próximo se realizado de forma alternativa: Através de músicas, comidas típicas, filmes e livros – e essa é a proposta do projeto “Passaporte da Leitura” que hoje chega no seu quarto destino – conhecer o mundo através da leitura. Já passamos pelo México, África do Sul, Chile e hoje é dia de fazer uma rápida visita ao Peru! Vamos?

O livro escolhido foi Travessuras da menina-má do autor Mário Vargas Llosa.

Título: Travessuras da menina-má

Autor: Mario Vargas Llosa

País: Peru

Uma história de amor que começa na adolescência e percorre o tempo e o espaço em uma série de encontros, reencontros e abandonos que acompanham as personagens até o final da vida. O amor de Ricardito por Lily arrasta-se desde o colégio no Peru levando o leitor a uma maratona de surpresas e situações sensualmente tensas.
A variação do plano de fundo da narrativa que percorre o Peru, Paris, Londres, Japão, Cuba e Espanha – torna a leitura interessante, mostrando alguns recortes históricos e sociais da época, mas, principalmente servindo como base para que a história de amor seja também a história de vida das personagens, sem que, contudo a história de amor seja a única história da vida.
Infelizmente a sexualização da personagem é constante – mesmo durante a infância e, esta característica em alguns momentos esconde outras qualidades da personagem que é uma marcante, desinibida, uma daquelas mulheres que ocultam seus segredos e fraquezas em uma máscara de força, descaso e futilidade. O personagem Ricardo, por sua vez, é a perfeita descrição do jovem bonzinho, estudioso e sonhador que quando adulto realiza seu maior sonho: Viver em Paris.
A vida estabilizada de Ricardo será perturbada e arrastada a cada reencontro pelo turbilhão de seus sentimentos pela menina-má, como passa a chamar Lily.
É uma história de amor para adultos – despida de quase toda a dramaticidade romântica, repleta de reviravoltas, sexualização, introspecção, tensão e dramas.

Sobre o autor:

Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu no Peru em 1936 e passou parte da infância na Bolívia. Aos 14 anos chegou a ingressar no Colégio Militar onde permaneceu interno por dois anos. Posteriormente formou-se em letras e direito. Aos 22 anos, já casado,obteve uma bolsa de estudos e cursou o doutorado em Filosofia e Letras na Universidade Complutense de Madri. Após isso foi viver alguns anos na França.  Politicamente o autor simpatizou com o socialismo por muitos anos, mas acabou candidato à presidência do país em 1990 por uma coligação político-partidária de direita, vencendo em primeiro turno e perdendo o segundo turno para Alberto Fujimori. Após a derrota nas eleições presidenciais, obteve cidadania espanhola e, posteriormente,  foi viver em Londres, retomando a literatura.Vargas Llosa tem uma ampla obra, recebeu vários prêmios literários, inclusive o prêmio Nobel de literatura.

Sobre o Peru

O Peru (capital Lima), oficialmente República do Peru, é um país latino-americano banhado pelo Oceano Pacífico e com relevo bastante variado – que vai de planícies áridas a picos nevados e florestas. Sua população, estimada em mais de 30 milhões de pessoas, é de origem multiétnica, sobrevivendo principalmente de atividades como a agricultura, a pesca e a exploração mineral, além da manufatura de produtos têxteis. Apesar de o idioma oficial ser o espanhol, idiomas típicos como o quíchua são muito utilizados.

Passaporte

Sobre solidão, bolo, livros e aplicativos de celular

Mais um dia frio. Um domingo gelado com o coração apertado de saudades. Apesar da melancolia, foi um dia produtivo. Usei aquele aplicativo legal, o Forest, que bloqueia o celular por um tempo para te impedir de perder o foco – Uma hora estudando violão, depois mais uma, depois mais uma. Quando foi que a vida ficou tão ligada a um celular que precisamos usar um aplicativo pra não olhar o aparelho? Não sei… Mas dizem que esse aplicativo planta árvores de verdade conforme a utilização, então, ok, uso ele quase o tempo todo – afinal, coisa rara é eu receber alguma mensagem interessante mesmo. Talvez, ironicamente eu esteja viciada em um aplicativo pra curar o vício em celular – engraçado, não? Em seguida, uma hora de leitura, um livro finalizado, um banho quente. E então, aquela ideia: Fazer um bolo. Bolo de laranja. E que tal laranja com maracujá? A cozinha é um lugar quentinho, repleto de histórias e sabores, um lugar mágico para esquecer por algumas horas os tons de cinza que cercam a vida e a falta de sabor do dia a dia. Acho que já comentei outras vezes o quando cozinhar significa pra mim, certo? Bolo pronto, cama arrumada – já são mais de dez da noite e amanhã a semana recomeça. Mas o sono ainda está longe, longe… E como tantas vezes o único remédio que espanta todo o tédio de mais um dia que se arrastou é pegar o caderno, apostila, livro, lápis e borracha e estudar – sim, a verdade é que apesar de tudo, nunca fui nerd, sempre fui profundamente entediada.E lá vou eu: Um pedaço de bolo, meu ursinho de pelúcia, material de estudo, jogada na cama e pronta pra mais uma hora longe do celular e mergulhada nas tarefas (espero que a essas alturas minha professora esteja orgulhosa de mim) – Mas antes de bloquear tudo, uma foto – afinal, quando o período de estudo acabar, vou ter algo pra escrever – nem que seja o relato de um dia tedioso, um bolo gostoso e o desejo permanente de que aquela pessoa especial pudesse estar por perto pra dividir um pedaço desse bolo com um café quente e um sorriso cheio de mistérios. #DiáriosdaPoetisa

(10/06/2018)

 

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