O conto do beijo sob a chuva (Ou o fogo sob as águas)

Ele a encontrou no final de um exaustivo dia de trabalho. Abraçaram-se por um longo momento e ela se deixou relaxar nos braços dele. Sorriram. Conversaram coisas amenas. Ela mergulhou naqueles olhos lagos profundos –  Já perdera as contas de quantas vezes fizera isso no último ano. Seu corpo se arrepiou. Ele a fazia reagir daquela forma impudica – Era uma chama na carne quase incontrolável, uma urgência agonizante, uma centelha elétrica que a percorria dos pés a cabeça. Ele estava de bicicleta e pela primeira vez ela se arrependeu de não saber pedalar – Seria doce percorrerem a cidade. Caminharam juntos pelas ruas, de braços dados, em passos lentos. Chovia, uma garoa fina e constante. Momentos assim eram raros e por isso mesmo, preciosos. Em geral, os encontros deles começavam com um mergulho do olhar dela nos olhos dele e terminavam com ambos ardendo em chamas, consumindo-se para renascer, como duas fênix. “-O que você merece?” – Ele perguntou. Um beijo e uma palmada, ela respondeu com uma malícia que desconhecia possuir. Era sempre assim – com ele não havia espaço para momentos inocentes, ele tinha o dom de despertar nela essa parte obscura e um tanto depravada. Pararam na esquina e ele, num ímpeto inesperado, a puxou pela cintura e a beijou com ternura, deixando que suas línguas se tocassem e suas respirações ficassem suspensas, fazendo-a sentir como se estivesse num daqueles filmes de sessão da tarde. Era bom viver essa sensação, ainda que fosse por poucos instantes. Voltaram a caminhar sob a chuva, com os pés e os olhos leves e cada passo a mais era um instante a menos que ficariam juntos. Na estação antes de embarcar, abraçaram-se. “- E minha palmada? Fica para um lugar mais privado?”. Ele sorriu. Sim. A palmada ficaria para outro momento. Os olhos dele estavam quentes, cheios de promessas – já não eram um lago. Era algo próximo ao dourado do fogo e fazia com que a pele dela se lembrasse da sensação de estar amarrada e submissa aos desejos dele. Todos esses pensamentos lhe ocorreram nos últimos segundos que passou em seu abraço. Seus olhos se encontraram intensamente quando ele a fez se desenlaçar dos braços dele. Ela lhe tomou a mão entre os lábios a beijando delicada e respeitosamente. Entrou na estação e olhou na direção dele, que já subira na bicicleta e se distanciava em largas pedaladas.”

A vida

“Bambino, eu estava pensando sobre a vida e sobre tudo que ela carrega de mistério. Estava lembrando tantos momentos bons, pensando em todas as suas filosofias e em tudo que aprendi contigo. Sabia que, em pensamento ou em papel, eu te escrevo uma carta todos os dias? Hoje, sem nenhum motivo especial, me deu vontade de pensar e falar sobre a vida. Queria estar sentada contigo agora em qualquer lugar de sombra, mesmo que fosse numa beira de canal. Queria, mas não estou. Tudo bem, eu consigo imaginar isso e escrever. Sigamos. Quem sabe qualquer dia desses a gente não lê esse texto juntos? Mas o que é a vida afinal, Bambino? A vida é essa coisa que acontece entre a poesia e a luta. É esse tempo que escorre pelos vãos dos dedos e pelas lágrimas derramadas na saudade de um amor que jamais será esquecido. Quem disser que é fácil, tá mentindo. Quem disser que é sempre bela, só quer ser gentil. Apenas uma coisa é certa – A vida é única e cada dia passado não é um dia a mais e sim um dia a menos, então, siga em frente em passos firmes e abrace em cada esquina as dores e os sorrisos que surgirem. Escreva poesias com as suas lágrimas se chorar, escreva rimas com o sangue do seu coração caso ele venha a se partir e siga em frente pois a batalha é longa e a vitória, apesar de não ser certa, está lá esperando por você – Aproveite o percurso e se cuide para que a sua caminhada seja longa e cheia de histórias pra contar. Bambino, leve o coração leve isso vai deixar a sua alma mais leve e abrir espaço para bons sentimentos. E por falar em bons sentimentos, carregue sempre essa energia boa que você tem e espalhe amor pelo mundo. Espalhe sorrisos, mesmo que sua alma tudo esteja cinza, espalhe flores mesmo que seus jardins pareçam secos. Ame acima de tudo! Os jardins da alma sempre florescem novamente, apesar das cicatrizes. Abrace alguém se puder. Não tenha medo ou vergonha de chamar alguém para conversar sempre que precisar. E no final do dia se jogue na cama com a certeza de que deu o seu melhor para o mundo e saiba que é a melhor parte do mundo de alguém. Independente do que seja a vida, há uma certeza que eu carrego e desejo que nunca se esqueça:Você merece o melhor!”

A praça

Quando foi que a cidade se tornou um lugar hostil? Já reparou na pressa das pessoas? Ninguém olha pro céu, nem pras árvores na pracinha – Aliás, praticamente ninguém para na praça pra conversar, ler um livro, namorar ou apenas observar o movimento. Dias atrás parei na praça pra tomar um lanche – os bancos estavam vazios – exceto pelo ponto de ônibus do outro lado, repleto de pessoas com rostos cansados. Vi os carros passando, farol abrindo e fechando. Fiquei imaginando como seria bom um encontro no final do dia, sentar ali naquele banco pra bater um papo rápido com aquele alguém especial pelo simples prazer da conversa, sem intenção nenhuma além de ficar alguns minutos de mãos dadas antes num lugar perdido no coração da cidade e pensando nisso me senti tão solitária quanto aquele espaço vazio onde havia me instalado pra descansar antes de seguir viagem. Terminei o lanche, fechei a bolsa, atravessei a rua e tomei meu lugar em meio aos rostos cansados no ponto de ônibus. Não resisti e fotografei a praça. Guardei o celular e subi no primeiro ônibus super lotado – só mais uma “sardinha” naquela lata de sardinhas sobre rodas. O corpo apertado pelo descaso com o transporte público, o coração apertado pela saudade das coisas que tendem a não acontecer.