Livro versus série: Ligações Perigosas

Recentemente a emissora Globo exibiu uma série intitulada “Ligações Perigosas”. Talvez muitos não saibam, mas trata-se da adaptação de um livro de mesmo título, escrito por Chordelos de Laclos em 1782. Na versão exibida pela emissora, a história foi “deslocada” no tempo, passando-se na década de 1920. Os nomes das personagens foram “abrasileirados”, bem como houve algumas alterações drásticas no destino das personagens principais. A adaptação deixa muito a desejar em matéria de vocabulário, o que infelizmente não é incomum acontecer, entretanto, não há que se negar a qualidade do elenco, bem como os primorosos cenários e figurinos.
Infelizmente, assim como acontece na história original, há passagens que denotam machismo e toda a sorte de torpezas humanas – afinal, a inocência é utilizada o tempo todo como prêmio e meio de vingança. Brutal como é a realidade, Ligações Perigosas não é uma série para crianças ou pessoas muito sensíveis. O livro, pelo contrário, é, apesar de brutal, bastante poético. É um romance epistolar não muito volumoso e bastante agradável de se ler. Talvez leitores jovens o achem enfadonho devido ao vocabulário já antiquado, porém, os que se permitirem adentrar as páginas com a mente e o coração abertos não irão se arrepender.
Na minha opinião o livro é muito melhor que a série exibida pela televisão pelo simples fato de ser a obra original e também por exercitar o vocabulário e a imaginação, além disso, o desfecho do livro é mais duro, triste e, acima de tudo, aparenta casar-se mais com a realidade do tempo em que a história se passa.

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Sobre o que estou ouvindo enquanto escrevo este texto:

Quando li “Ligações Perigosas” apaixonei-me pelo livro e por algum tempo pesquisei um pouco sobre a época em que se passou a história. Para quem gosta de música, pesquisar acerca de determinada época inclui necessariamente conhecer canções deste período e em um dos meus momentos de fuça-fuça, me deparei com Johann Nepomuk Hummel (1778-1837) e me apaixonei por algumas de suas canções, dentre elas a estou ouvindo enquanto escrevo estas linhas.

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Um sonho, uma lembrança e outra carta que jamais irá ser lida

Bambino… Novamente escrevo palavras que não irá ler. Sonhei contigo esta noite – estávamos novamente de mãos dadas e você sorria diante dos meus olhos envergonhados.  Acordei entre o calor frio das cobertas e me dei conta de que fora apenas sonho. Realizar-se-ia tal sonho dentro de algumas horas? Eu descobriria ao final da tarde. Tuas mãos não embalaram as minhas mas a lembrança do sonho me fazia ruborizar. Eu sorri, você sorriu. Não falamos sobre domingo nem sobre como nossas mãos haviam se buscado. Falamos do sol, do tempo, dos professores, da música, de outras pessoas que não nós. E foi em meio a esta conversa que vi naquele canto do quadro de avisos o anúncio de uma apresentação no Teatro Municipal e sugeri que fôssemos assistir no dia seguinte, ou seja, amanhã. Bambino, eu juro que não pretendia te chamar para sair. Não pretendia estar sozinha contigo mas não tenho coragem de chamar ninguém… Será que amanhã tuas mãos irão procurar as minhas novamente ao som de alguma canção? Não canso de lembrar daquele momento, Bambino, eu não canso de pensar em você e isso enche meu coração com um misto estranho de medo, angústia e, acima de tudo, alegria. Alegria ao lembrar de cada momento em que fiz do teu sorriso a minha paisagem mais bela, alegria ao reler as mensagens de texto que você já me enviou – mesmo aquelas mais bobas, me perguntando coisas sobre as aulas. Eu poderia perder um caderno com todas estas cartas perto do teu material de estudo assim talvez você lesse, talvez  entendesse a bagunça que fez e faz por aqui toda vez que eu te vejo e teu olhar invade o meu mundo como um furacão que tira tudo do lugar e me faz ter uma vontade insana de segurar a tua mão e não soltar nunca mais. Uma vontade de te proteger do mundo ao mesmo tempo em que mergulho fundo no Universo que você me fez conhecer. Contraditório né? Te proteger do mundo ao mesmo tempo em que mergulho fundo na vida que você me deu… Isso é só o começo de tudo que é contraditório, confuso, doce e lindo. Isso é só a ponta do iceberg de sentimentos que não consigo explicar quando estou ao teu lado. Bambino, eu escrevi uma poesia quando te conheci. Escrevi uma poesia quando segurou minhas mãos e, sabe o que eu percebi? Que não consigo me preocupar com rimas ou métricas quando escrevo para você. Não é possível represar tudo que me invade e as palavras nascem dos meus pensamentos e dos meus dedos em uma velocidade incontrolável, juntamente com lágrimas de uma emoção que não consigo disfarçar. Amor. Essa palavra de quatro letras é a única definição possível para esse furacão que me invade. Eu sempre mantive as janelas fechadas, fugi às flechas do arqueiro, me escondi naquela redoma que você quebrou no primeiro olhar e agora meu destino é escrever sabendo que você não vai ler. É amar sabendo que jamais serei amada pois apenas em um mundo onírico seria possível alguém tão incrível como você amar uma garota comum e assustada como eu. Meu destino é lembrar nossas mãos entrelaçadas naquele teatro e imaginar que irá acontecer novamente, sabendo que não irá acontecer nunca mais.

( Da série “Devaneios tirados do fundo de uma gaveta” – Outubro de 2013

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Não lembro exatamente o que estava ouvindo quando escrevi isso, afinal,já se passaram dois anos e eu não anotei nem a data exata no rodapé da carta, quanto mais a música que estava tocando enquanto escrevia. Com certeza era algo como esta canção, uma das minhas trilha sonoras mais frequentes…