Coletânea da Vida

Gosto de imaginar a vida como uma coletânea de livros – Cada ano, um volume cheio de páginas em branco que vamos preenchendo da melhor forma possível. Nossa vida é uma coleção de comédias, dramas, tragédias – É um romance sempre sem final, pois, quando finalizar, não estaremos mais neste plano para assinar a última linha.
Gosto de imaginar a vida como uma coletânea de livros – Cada ano, um volume cheio de páginas em branco que vamos preenchendo da melhor forma possível. Nossa vida é uma coleção de comédias, dramas, tragédias – É um romance sempre sem final, pois, quando estiver terminados, não estaremos mais neste plano para assinar a última linha. ia, a militância, o amar, o se apaixonar, o sonhar. Foram 365 dias, cada um, um capítulo recheado de emoções! E nesta última página, aquele desejo: Que 2018 seja poesia! Que a cada dia o Sol se levante trazendo mais e mais motivos para sorrir e fazer sorrir – e que as pessoas especiais que estiveram comigo até aqui possam continuar por perto, tornando cada novo capítulo um mundo repleto de felicidade!
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O conto da menina no espelho

Abriu o guarda-roupa e olhou longamente, como quem se perde em uma paisagem ampla. Escolheu uma saia longa e uma blusinha verde. Ela queria estar bonita para encontrá-lo depois do trabalho. Não era um encontro no sentido que se costuma dar a essa palavra – era um passeio entre amigos e isso é tudo que ela esperava que fosse. Olhou-se no espelho – Se é apenas amizade, qual o motivo de estar se arrumando tanto? Sorriu e respondeu a si mesma – Ele é um amigo bonito e merece ter uma companhia igualmente bela. Ajeitou o cabelo e se observou novamente – Ela não gostava tanto assim da menina que via no espelho – Estava um pouco fora de forma e tinha um ar cansado. Os cabelos cacheados, castanhos e rebeldes a agradavam. Os olhos também pareciam cheios de vida – belos e ansiosos por uma boa conversa e risadas sinceras. Quem era afinal aquela menina assustada que a observava através do espelho? Era jovem, mas não tão jovem. Era madura, mas nem tanto. Uma mulher-menina assustada e inexperiente. Uma mulher com o coração devastado que havia reconstruído seus muros e tinha medo da simples ideia de permitir-se ultrapassá-los. E qual a razão de estar pensando tanto enquanto se vestia? Tantas vezes já haviam conversado, algumas outras já haviam passado tempo juntos. Ela sabia que nada iria acontecer – ela o via como amigo e ele era um homem digno que jamais tentaria flertar durante um encontro. Trocou de roupa. Não gostou do visual. Escolheu outra peça. Voltou a vestir a primeira. Estava bela? Possivelmente sim. Sorriu ao lembrar que ele sempre lhe diria um elogio ainda que ela não merecesse. E sorrindo ela saiu para o trabalho. E ainda sorridente olhou-se no espelho na hora do almoço. Havia esquecido seu caderno em casa – Abriu o editor de textos e escreveu sobre o amanhecer e a ansiedade que a consumia ao se lembrar que dentro de algumas horas iria encontrá-lo. Não sabia o motivo da ansiedade, mas sabia que havia um excesso de trabalho para terminar. Fechou o caderno e disse até logo para a menina do espelho – percebeu que seus olhos brilhavam em mistérios e sorriu, prometendo a si mesma que tentaria conhecer melhor os segredos por trás daquele olhar que refletia sua própria imagem.

(04-10-2017)

Um conto sobre a personagem que ela trazia na alma e não conhecia

Então ele estava ali, bem na porta do auditório. E como estava sexy com aquela camiseta de manga longa escura que contrastava com a pele clara. Olhou-o por meio segundo antes de conseguir se mover e abraçá-lo encostando seus corpos duas peças de um quebra cabeça que se encaixam perfeitamente bem. Ela tentava parecer uma lagoa tranquila, mas por dentro sentia-se como o mar em dia de tempestade. Conduziu-o até uma cadeira vazia, de onde pudesse ver o palco. De repente já não sabia se buscava segurar as mãos dele ou se mantinha as suas ocupadas – Estava ligeiramente trêmula quando se dirigiu ao palco. Era difícil se concentrar na música com aqueles olhos fixos nos olhos dela. Ela se sentia assustada diante da amplitude de seus sentimentos por ele e, ao mesmo tempo, lembrava-se de uma conversa onde ele havia dito que poderiam se relacionar como um jogo de RPG – explorariam seus desejos como se fossem personagens com hora e lugar para se encontrarem, sem que eventuais sentimentos viessem a atrapalhar a amizade que haviam construído durante anos. E naquele momento, enquanto observada aquelas mãos que a aplaudiam entre uma canção e outra, ela desejou experimentar a experiência que ele lhe sugerira – lembrou-se de uma frase de algum romance que lera tempos atrás, algo sobre uma mulher trazer dentro de si várias mulheres que não se calam – e pela primeira vez ela se arriscou a imaginar se haveria dentro dela uma mulher obscura em mistérios e desejos proibidos, ousada o suficiente para aceitar um RPG sensual. Uma pontada de tristeza a atingiu, ela desejava que ele a olhasse como mulher por inteiro, corpo, alma e coração. Desejava que ele segurasse sua mão jurando nunca mais soltar. Ela era toda entrega e sentimento. E ela não sabia como demonstrar ou lutar para que ele a visse da mesma maneira. Olhava-o ali, tão lindo e próximo e ao mesmo tempo distante e decidiu que tentaria jogar aquele jogo que ele lhe propunha – se ele estava disposto a entregar a ela uma parte única de sua vida e mostrar-lhe um lado dela própria até então desconhecido, ela tentaria.

Naquela mesma noite ele a levava para casa enquanto ela o acariciava delicadamente com as pontas dos dedos – aqueles cabelos macios pareciam chamar suas mãos e aqueles lábio pareciam desejar um beijo – ele havia lhe dito dias atrás que a castigaria caso ela tentasse roubar-lhe um outro beijo – ela decidira tentar e, tão logo estacionaram ela puxou-o para si com todo o desejo que havia guardado nas últimas semanas – ele a correspondeu com um selinho e lhe disse que cumpria a promessa e a castigaria. Colocou-a deitada sobre suas pernas e acariciou-lhe o bumbum. As mãos quentes e o cheiro da pele dele a faziam se arrepiar e perder a respiração. Ela desejava aquele castigo tanto quanto desejara o beijo roubado. Quem era aquela personagem obscura e desconhecida que morava dentro dela? Ele deu o primeiro tapa – rápido, ágil, ardido. Avisou que seriam três. Perguntou se estava tudo bem e a voz dele parecia rouca e sensual. Ela disse que sim e ele lhe bateu novamente nas nádegas – sem marcas, apenas um tapinha carinhoso e sexy. Ela se sentia ofegante e sabia que ele daria a última palmada quando menos esperasse. Ela sentiu as mãos dele passearem, aproveitando cada pedaço de seu corpo por cima do tecido antes de desferir a próxima palmada. Ele a aninhou em seus braços e ela desejou não sair mais dali- sabia que deveria construir muros e barragens, fugir daquela necessidade de estar perto dele. Ela sabia o que deveria fazer, mas não sabia como fazer. E assim deixou que seu lado obscuro e inexplorado viesse à tona. Sentia-se uma garotinha de quinze anos se descobrindo – uma sensação que não vivera na adolescência. Uma invasão insana de desejo – como um rio que a tudo invade e arrasta. Sentia-se impura, mas não necessariamente desconfortável – era constrangedor, como se gostasse de coisas que não deveria gostar – E ao mesmo tempo, gratificante, como se naquele momento tivesse sido capaz de tirar uma personagem do papel e trazê-la para a realidade. Ela não conseguia escrever isso em construções poéticas – a pequena ninfeta que criara em sua imaginação era uma adolescente rebelde e cheia de desejos ocultos – Elas teriam que conviver daquele momento em diante e ela esperava que seu outro eu a ajudasse a construir os muros que precisava para sobreviver àquela onda de paixão que a invadira. Naquela noite, antes de fechar o caderno e ir se deitar, ela percebeu que pela primeira vez havia escrito a palavra que vinha evitando: paixão. Então, havia paixão afinal? Seu coração que havia sido destroçado pelo amor anos antes ainda era capaz de ao menos ser um jardim para as flores da paixão, afeto e afinidade? Sentia que mesmo estas seriam arrancadas e destroçadas com uma recusa de seus sentimentos caso um dia ele soubesse o que se passava, mas ainda assim, decidiu seguir em frente – Ela se calaria e deixaria que sua outra face tomasse o controle quando estivessem juntos. Sorriu e olhou uma última vez aquela foto dele de perfil no Facebook antes de dormir – naquele momento já não era mais a garotinha atrevida; voltara a ser ela mesma desejando um beijo de boa noite.

 

(14-11-2017)

Um conto de sonhos e alianças

Ela estava em casa. Lia um livro qualquer. Não estava calor nem frio. Ela estranhava o silêncio – Havia uma sensação de que alguma coisa iria acontecer… Sobressaltou-se ao ouvir batidas no portão e uma voz conhecida gritando seu nome. Correu para fora e ao abrir o portão deparou-se com ele. Ele que nos últimos dias andara lhe roubando o sono e alguns suspiros. Trazia nas mãos uma sacola do Mcdonalds “- Pegue, trouxe para você”. Seus olhos a encaravam de forma autoritária e divertida – Mas todos que a conheciam sabiam que ela havia renunciado aos alimentos derivados de animais – Por que ele lhe daria um fast-food de presente? “- Desculpe, não vou pegar – você sabe que não como”. Ele sorriu “- Você vai querer este. Apenas pegue e abra”. Ela encarou a sacola, retirou a caixa do lanche – não acreditava que estava mesmo fazendo isso! Abriu lentamente e seu coração explodiu em alegria: Presas numa fenda cuidadosamente escavada no pão estavam dois anéis de madeira, cuidadosamente entalhados. Riscada na parte interna da tampa da caixinha, a mensagem que ela jamais havia recebido antes: “Namora comigo?”. Ela pode sentir os olhos brilhando e o coração batendo forte. Sentiu o ar faltar quando eles se beijaram e o toque quente das mãos dele procurando tocar sua pele. E sentiu –se arrepiar quando ele lhe tomou as mãos e colocou nela aquela aliança – dava para sentir também suas mãos tremendo ao colocar a aliança nas mãos dele. Sim, ela aceitava. E de repente ouviu o som de um violão ao longe – Abriu os olhos e viu-se deitada em sua cama – o despertador a acordava – nos pés da cama, sua cachorrinha a olhava inquieta e no céu os primeiros raios de sol despontavam – Fora um sonho afinal. Ela se sentia um pouco mais solitária depois daquele sonho, pois em seu íntimo tinha certeza de que jamais aconteceria algo semelhante. Seguiu seu dia oscilando entre a alegria do sonho e a melancólica realidade de seus dias. Escreveu um texto em uma folha qualquer – havia esquecido o caderno – depois ficou horas considerando se valeria a pena compartilhar com outras pessoas seu pequeno devaneio noturno. Fora uma noite curta, um sonho bom e um dia muito longo afinal!

(09-11-17)