Ontem foi mais um dia histórico para o Brasil: Dia de Greve Geral. Milhares de pessoas foram às ruas numa tentativa de barrar a contra-reforma imposta pelo (des)governo Temer e por um congresso corrupto, imundo e que, muito embora tenha se elegido com os nossos votos, pouco ou nada se importa em nos representar.
Infelizmente houve trabalhadores que não aderiram à greve – não por não desejarem aderir – mas por terem sido coagidos por seus patrões a estar no local de trabalho, inclusive utilizando serviços como Uber e taxis. São em geral trabalhadores de empresas menores onde a adesão a uma greve seria levada pelo lado pessoal gerando perseguição e mal-estar no ambiente de trabalho, ou de empresas grandes, mas pertencentes a categorias sindicais fracas, como o comércio por exemplo. Diante disso, faz-se necessário o uso de táticas de força: Queimar pneus impedindo o trânsito e fechar vias de acesso, além de impedir a circulação de meios de transporte públicos inviabiliza a ida dessas pessoas ao trabalho, possibilitando que participem da greve sem se prejudicar em seu ambiente de trabalho.
Outros trabalhadores não aderiram à greve por acreditar ser um movimento desnecessário movido por “sindicatos e políticos”. O que é um grave engano. Sindicatos são centralizadores do poder de luta do trabalhador. Sem o surgimento dos sindicatos nossas condições de trabalho seriam ainda piores do que já são.
Mas afinal, quais são as reformas trabalhistas que motivam tantos protestos? Esse é outro ponto interessante: muitos trabalhadores e trabalhadoras simplesmente não sabem o que lhes aguarda e por isso não deram a devida atenção aos movimentos!
O que muda?
- Verbas que integram o salário: Atualmente, toda ajuda de custo integra o salário para fins de INSS e FGTS, ou seja: Prêmios, ajuda de custo para viagens feitas a serviço da empresa, valores relativos a assistência médica e odontológica incidem sobre INSS e FGTS. Com a reforma não irão mais incidir, ou seja: O EMPREGADOR PODERÁ PAGAR UM SALÁRIO PEQUENO E “COMPLEMENTAR” COM ESSAS VERBAS SEM QUE ISSO SEJA CALCULADO NO INSS E FGTS! Péssimo né?
- Equiparação salarial: Sabe aquelas pessoas que exercem a mesma função na prática, mas são registrados de forma diferente na CLT e por isso recebem salários diferentes? Atualmente elas podem pedir a equiparação salarial mesmo que as funções sejam exercidas em diferentes estabelecimentos do grupo econômico. Com a mudança da regra, essa pessoa tem que trabalhar no mesmo estabelecimento para poder solicitar esse benefício.
- Cargos de confiança: Quem trabalha sabe que os cargos considerados “cargos de confiança”, como gerentes e supervisores, não recebem horas-extras, nem feriados, mas recebem um salário maior. Após um tempo exercendo esse cargo de confiança, esse acréscimo passa a integrar o salário para finalidades relativas a FGTS e INSS. Após a reforma esses valores não irão mais integrar o salário. Agora reparem bem: Bancos por exemplo, registram muitos funcionários como “gerentes” e isso não é um acaso! É uma manobra para retirar direitos trabalhistas básicos como as horas extras ou acréscimo por feriados. Menos qualidade de vida para o trabalhador.
- Rescisão de contrato de trabalho: Atualmente precisa ser feita pelo sindicato. É uma forma de garantir que os trabalhadores recebam as verbas que lhes são devidas. Com a reforma, quem for demitido após mais de um ano de trabalho não precisará mais ter sua rescisão homologada pelo sindicato.
- Demissão em massa: Atualmente deve haver participação do sindicato nessas situações. Após a reforma a empresa poderá demitir em massa sem dar satisfação a ninguém.
- Plano de demissão voluntária: Quem aderir não poderá requerer direitos trabalhistas depois. Vamos pensar o seguinte: A empresa apresenta o plano ao trabalhador e pergunta “aceita ou não”. O trabalhador aceita sem se dar conta de cláusulas que o prejudiquem pois muitas vezes ele simplesmente não sabe seus direitos. Atualmente ele pode socorrer-se na justiça trabalhista. Após a reforma ele não poderá mais. E nós sabemos como funciona o empresariado: O patrão jamais irá apresentar o plano de demissão voluntária e dar tempo do funcionário ir até um advogado e perguntar “está tudo certinho? Estou sendo prejudicado ou devo aceitar?”
- Aviso Prévio Indenizado: Com a reforma o empregado poderá receber apenas metade do aviso prévio tendo liberado 80% do FGTS (lembrem-se que o valor do FGTS será menor já que conforme o item 1 e 3 muitas verbas não incidiram mais sobre ele) e perderá o seguro desemprego.
- Arbitragem nas relações de trabalho: A justiça do trabalho deixa de ser a única competente pare resolver questões trabalhistas, podendo ser contratados árbitros para solucionar tais questões. Isso é precarizar a relação de trabalho jogando por terra garantias históricas!
- Contribuição sindical facultativa para empregados e empregadores: Isso irá enfraquecer os sindicatos – e sindicatos enfraquecidos irão perder a capacidade de proteger suas categorias – categorias mais desprotegidas não irão conseguir lutar por melhores condições de trabalho e serão cada vez mais exploradas.
- Jornada e intervalos de trabalho: Atualmente são consideradas normas de saúde do trabalhador e não podem ser negociadas. Com a mudança poderão ser negociadas. Muitos podem achar isso bacana, mas na realidade não é. Pensem o seguinte: Hora extra não é obrigatória mas todo mundo que trabalha faz – e é bem difícil você falar para o patrão que não irá fazer sem acabar sendo penalizado ou mesmo demitido na primeira oportunidade. Uma hora de almoço também é direito do empregado, mas muitas empresas mandam você engolir a comida em 15 minutos e voltar ao posto de trabalho (eu passei por isso no Extra e sei o quanto me estressei brigando pelo direito de ter a dignidade de parar para comer e descansar). Se estes intervalos forem flexibilizados, o patrão poderá impor isso aos funcionários e eles por dependerem economicamente de seus empregos, irão aceitar, mesmo ficando mais sujeitos a adoecimento por excesso de trabalho. E por falar em hora extra, a jornada de trabalho que atualmente é de 8 horas diárias com no máximo 2 horas extras passa a poder ser de até 12 horas diárias! Absurdo!
- Validade das normas e convenções coletivas: Além das leis trabalhistas há normas e convenções coletivas negociadas entre patrões e sindicatos. Atualmente, quando a validade dessas convenções expira, elas continuam valendo até serem rediscutidas. Com a proposta de reforma isso não irá mais ocorrer, deixando de ser aplicadas até que haja nova discussão (e lembrem-se: sem o imposto sindical o sindicato estará mais fraco e com menos força para negociar). Ainda sobre acordos e convenções, com a nova regra, os acordos coletivos (entre empresa e sindicato) irão valer mais que as convenções coletivas. Agora dá uma olhada na diferença entre acordo e convenção coletiva para entender o motivo de ser importantíssimo que as convenções sobreponham aos acordos coletivos:
ACORDO – CONVENÇÃO – DISSÍDIO COLETIVO DE TRABALHO
O artigo 7º, inciso XXVI da Constituição Federal, estipula que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
O artigo 611 da CLT, define Convenção Coletiva de Trabalho como o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
ACORDO COLETIVO DE TRABALHO
É o acordo que estipula condições de trabalho aplicáveis, no âmbito da empresa ou empresas acordantes, às respectivas relações de trabalho. A celebração dos acordos coletivos de trabalho é facultado aos sindicatos representativos das categorias profissionais, de acordo com o art. 611 § 1º da CLT.
12. Honorários nas ações trabalhistas: Atualmente o empregado não paga honorários quando perde a ação contra o empregador. Com a mudança serão devidos honorários entre 5% e 15% do valor da ação.
13. Férias: Atualmente as férias de 30 dias podem ser fracionadas em até dois períodos – um deles não inferior a 10 dias. 1/3 do período pode ser pago em forma de abono. Na prática isso resulta em muitos empregadores forçando a situações para dividir o período de férias e pagar esse abono ao funcionário, diminuindo seu período efetivo de descanso. Isso resulta em menor convívio familiar e social, prejudicando a saúde do trabalhador. Com a reforma poderá ser fracionado o período de férias em três períodos: um não inferior a 14 dias e outros dois não inferiores a 5 dias. Imagina só o seu patrão (que em geral já escolhe o período em que você irá tirar férias sem te consultar ), te coagindo a tirar essas férias em três períodos (escolhidos por ele)?
14. Terceirização: Passa a ser irrestrita; pela lei antes da reforma, somente poderiam ser terceirizados funcionários que não servissem às atividades-fim da empresa: por exemplo, uma escola poderia terceirizar equipes de cozinha ou limpeza, mas não professores. Com a nova lei, qualquer atividade poderá ser terceirizada. E aumentou também o tempo de contrato do funcionário terceirizado.
15. Transporte: Se a empresa em que o trabalhador atua fica em locais distantes e não atendidos pelo transporte público, o tempo em que o empregado fica dentro do meio de locomoção fornecido pela empresa conta como hora trabalhada. Com as alterações, esse tempo não será mais contabilizado como jornada de trabalho. Menos tempo livre para esse trabalhador conviver com sua família ou estudar.
16. Gravidez: Atualmente é proibido o trabalho insalubre para mulheres grávidas ou lactantes. Com a reforma isso passa a ser flexibilizado, portanto, mulheres grávidas podem trabalhar em ambientes insalubres se a empresa atestar que isso não representa risco – vamos concordar que ambiente insalubre, por si, já é um risco. Em relação à demissão, não havia prazo para mulheres demitidas avisarem suas empresas sobre a gravidez. Com a nova regra esse prazo passa a ser de 30 dias. O legislador não pensou que há mulheres que não percebem a gravidez com tanta rapidez. Uma busca no Google é capaz de mostrar mulheres que descobriram estar grávidas só quando o bebê nasceu!
17. Seguro – Desemprego: O direito a ingressar no programa Seguro-Desemprego passa a ser decidido por trabalhadores em conjunto com o empregador, não sendo mais um direito garantido aos que foram demitidos após determinado período de trabalho.
18. Registro de Ponto: Atualmente as empresas devem ter ponto eletrônico, mais difícil de fraudar ou alterar. Com a nova regra, isso pode ser definido em acordo coletivo (novamente lembrando: Os sindicatos estarão enfraquecidos e não poderão lutar com a mesma força de agora). Vamos pensar o seguinte – papel aceita qualquer coisa. O ponto eletrônico é uma segurança! Ponto em papel pode ser alterado.
Por esses e outros motivos é URGENTE a adesão dos trabalhadores às greves. Não se trata de uma discussão entre os grupos que se acostumaram dizer-se “coxinhas” e “mortadelas”. Trata-se de uma luta por direitos que são de todos e todas, independentemente do posicionamento político, aliás, o posicionamento político pode ser discutido em outro momento, depois que a CLT e a previdência estiverem salvas. E se você ainda não trabalha, lembre-se que essa luta também é sua, pois cedo ou tarde você irá enfrentar o mercado de trabalho!