O conto dos 33,33% ou o conto da confidência

Ela olhou ao redor curiosamente; estavam em um café nos fundos de uma casa – o lugar tinha ares daqueles pubs clandestinos que sempre aparecem em livros e filmes da época da Segunda Guerra Mundial. Quem passasse na rua sequer desconfiaria da existência daquele lugar acolhedor. Sentaram em uma mesa pequena junto a uma parede e a garçonete lhes serviu dois copos d’água, deixando-os à vontade. Sorriram, a conversa era agradável. Algumas vezes as mãos se tocavam brevemente por cima da mesa. Ela sabia que, quando menos esperasse, uma tensão sexual iria invadi-los, porém, enquanto isso não acontecia, ela aproveitava cada momento de contemplação daqueles olhos doces. E então ele faz a pergunta: “O que você sente por mim?”. A questão que ela evitou responder até mesmo a si mesma. A questão que deixa seu coração apertado em alguns momentos. Ela sorri, tentando ganhar tempo, enquanto sente os olhos dele a observando fixamente, sugando-a como dois portais. Ela respira fundo. É difícil falar de sentimentos – Ela não passou um ano e meio escrevendo contos em terceira pessoa como forma de proteção e distanciamento? Não buscou tantas vezes lembrar todos os momentos de amizade? Ela não tentou em vão erguer um muro? Uma fortificação que a protegesse? “- Uma mistura de amor, paixão e amizade”. Falou tentando não tremer. Era verdade afinal, ela o amava, mas também tinha paixão e amizade por ele. Respirou aliviada, dando a questão por encerrada. Ele, entretanto, tinha outros planos para a conversa “-Quanto de cada sentimento?” – Novamente ele a surpreendia, decidido talvez a desbravar os segredos que trazia na alma, talvez por ter desbravado tantos segredos ocultos em seu corpo. Ela sorriu. “- Em proporções iguais… 33,33%”. Mas qual seria afinal a diferença do amor e da paixão? Para ela, o amor é o sentimento mais puro e intenso, a vontade de estar perto, de cuidar. O amor vem da alma e prescinde das trocas físicas, do sexo – contenta-se apenas em compartilhar idéias, sonhos e momentos de inocência e sensibilidade. Já a paixão é o fogo, o desejo incontido pelo corpo, a paixão é o sentimento que a fazia permitir que ele a tocasse de forma impudica. Ele a ouvia com atenção, embora comentasse que não entendia os dois sentimentos da mesma forma. “-E não dói saber que eu não correspondo da mesma forma ao que você sente?” – Seu Dono era tão direto! Era complicado conversar – Os sentimentos dela e os da personagem se confundiam. Ela estava acostumada a não ser amada, mas sua personagem, não. E por mais que o costume ao não-amor a fizesse não sentir dor, em alguns momentos, ela se sentia sim melancólica – Muitas vezes a imagem dele invadia suas memórias em momentos aleatórios do dia e ela desejava abraçá-lo, desejava pedir que ele nunca mais soltasse suas mãos das dela. Mas ela respirava fundo e seguia em frente. E sorria – Afinal, se o que ela sentia por ele era uma mistura em iguais proporções de amor, paixão e amizade, ela era sim correspondida, ao menos na amizade e na paixão caso considerasse a sua definição pessoal desse sentimento.
Continuaram conversando até que ela, desastrada, derrubou o copo de água, molhando as roupas dele. Decidiram ir para outro lugar. Havia um brilho bem conhecido nos olhos de ambos. Ele dirigiu, pegou uma estrada escura em direção a periferia da cidade, parou em frente a uma casa com aparência de abandono. Atravessaram o jardim, iluminado somente pela lua. Ele abriu a porta que rangeu como se reclamasse do horário em que chegavam. Havia poeira pelo chão, os cômodos estavam relativamente vazios: Uma pia, um fogão. No único quarto, uma mesa de canto onde um velho telefone de disco quedava silencioso. Ele a fez se despir. Colocou-lhe a coleira e passou a corda pela argola. Caminhou pela casa com ela de quatro a seu lado – Como uma verdadeira cadelinha, cheia de desejos. Na sala, ele ordenou que ela beijasse seus pés, depois a colocou de pé, mãos apoiadas na parede, pernas ligeiramente afastadas. Ele a açoitava e a beijava, percebendo exatamente o momento perfeito para uma e outra coisa, a dor do flogger encontrando a pele de suas nádegas expostas a fazia sentir-se especial. A música escolhida pelo seu Dono combinava com a atmosfera abandonada e aterrorizante do local. O coração batia apressado. Ela precisava senti-lo ali dentro dela. Era urgente. Só a pele, o cheiro e as mãos não bastavam. Estar presa não bastava. Ela queria tornar-se uma só com ele, ao menos por alguns momentos. “- Eu quero o Senhor” – Ela não tinha coragem de expressar o que queria “- Como você me quer? Fala.”. Com o ar já faltando e os músculos se contraindo pelo desejo que se espalhava qual lava de vulcão, ela respondeu “- Eu quero que o senhor me foda gostoso, como uma cadelinha. Por favor.”. Ele esfregava o corpo dele no dela, prensando-a contra a parede. Ela o sentia duro e preparado. Ele a deitou sobre a mesa e começou a passar a língua pelos seus seios. Manteve as mãos dela presas acima da cabeça. Explorava sua escrava com as mãos e a boca e utilizava a língua para estimular ainda mais as regiões secretas de seu corpo – Ela o avisou que estava quase chegando ao ápice e ele ordenou que se controlasse. Ele a puxou bem para a ponta da mesa e se colocou dentro dela. Ela rebolava completamente entregue – E então, os corpos trêmulos ouviram um ranger e sentiram tudo se deslocar – A mesa partiu-se em dois pedaços, caindo. Vestiram-se rapidamente e saíram, não queriam que a vizinhança percebesse sua presença ali – Ele avisaria sobre o pequeno “acidente” ao dono da casa, mas não em uma noite de domingo. Ambos riram, apesar do susto e da vontade de terminar o que haviam começado. Ao deixá-la na estação, ele lhe deu um beijo nos lábios e ela tomou as mãos dele entre as suas e beijou-as devotamente. Entrou no trem com o corpo ainda pulsando e pedindo pelo seu Dono. Abriu o caderno e fez algumas anotações, releu e percebeu que não atingira com as palavras o efeito desejado – Ela sabia que aquela noite havia sido especialmente marcante – Não pelo sexo que fora finalizado de forma abrupta, mas pela conversa e pela confidência que lhe escapara dos lábios. Dias depois ela pensava nele depois de um dia longo e então abriu o caderno e começou a escrever. Era uma urgência. O cheiro do chá, o frio, a saudade e a doçura de tantos momentos bons. Ela precisava colocar tudo no papel, na foto, na tela. Escrever era dar vazão ao amor, a paixão e a amizade – E como era incrível encontrar o equilíbrio de poder sentir as três coisas ao mesmo tempo e saber que amar não significa cobrar amor e sim apenas senti-lo… A primeira linha continuava incompleta: O conto… Título era um problema para ela, talvez por ser uma espécie de rótulo, coisa que a menina não gostava – rótulos. Mas ela já estava perdendo o foco. Precisava voltar ao caderno. Deveria ter feito café, o cheiro de café sempre a levava para junto dele em pensamento. Aos poucos mais um conto ia tomando forma. Era o momento mais íntimo entre as duas mulheres que conviviam em um só corpo: O momento de escrever seus contos sobre a história especial e única que compartilhavam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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*Essa postagem faz parte do projeto Blog Everyday August/BEDA)

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