Niklaus e a verdadeira magia do natal

Niklaus e a verdadeira magia do Natal

As guirlandas penduradas pela escola entregavam a proximidade do Natal. No corredor principal, os professores haviam construído uma grande bota feita de caixas de papelão encapadas com papel vermelho – Era a caixa onde cada criança deveria colocar seus pedidos de Natal dentro de um envelope lacrado e com endereço correto do remetente. As crianças, moradoras de um bairro periférico, em polvorosa comentam sobre o que desejam ganhar na “noite feliz”.

– Eu não vou escrever carta nenhuma. Papai Noel não existe, sei disso desde os cinco anos.

– Não fala isso, Miguel. Cada vez que uma criança nega a existência do Papai Noel, a magia do Natal se enfraquece um pouquinho.

– Que bobagem, Milan. Papai Noel são nosso pai e nossa mãe que dão duro o ano todo. Se eles não trabalham, não há presente nem comida.

Milan olha com tristeza para Miguel. Se ao menos pudesse contar para o amigo as histórias que havia ouvido de seus avós… Miguel é tão inteligente e tão cabeça dura: Não acredita e ponto final. Quantos outros garotos também não acreditavam? Repentinamente, sobreveio uma ideia: Escreveria um conto de Natal com a história contada por sua família e leria para a sala toda na sexta-feira, quando chegasse a sua vez de ler a redação de tema livre do bimestre.

                                                                       *

Com as mãos já doloridas pelo esforço de cortar e lixar peças de madeira, Niklaus olhava com mágoa as outras crianças do vilarejo, ocupadas em brincar na rua – Se o pai não fosse tão sovina, contrataria um ajudante e ele poderia ter tempo livre para brinquedos. Esses pensamentos que passaram pela cabeça do menino com a velocidade de um raio foram logo interrompidos pelo semblante de reprovação paterno. Voltando a aplicar-se somente ao trabalho, Niklaus engoliu o choro que lhe sufocava a garganta e jurou que, quando tivesse seus próprios filhos, eles teriam tempo para brincar.

Todas as noites, após seu pai se recolher, o menino Niklaus utilizava as aparas de madeira para fazer pequenos brinquedos – Soldadinhos, trenós, pastores e suas ovelhas – mas já estava tão cansado que apenas conseguia arrastar-se até a dispensa, guardar os brinquedos em uma caixa lá no fundo e depois retornar ao quarto, onde adormecia rapidamente. Era preciso sempre esconder os brinquedos – Certa vez, seu pai encontrara um carrinho em seu bolso e o esbofeteara com força:

“- Aqui não se brinca. Sob o meu teto todo mundo deve trabalhar duro”.

Com olhos chorosos e cheios de medo, Niklaus gaguejou:

“- Eu não brinquei. Só… Pensei que poderíamos vender os carrinhos feitos com restos de madeira”

O velho o olhou desconfiado. A ideia não era de todo má, e vinda de uma criança até aprecia boa. Deu um meio sorriso. O filho não era assim tão lerdo afinal. Era até esperto o garoto. Vender brinquedos? Poderia ser uma ocupação.

“- Você poderia ter me consultado antes. Mas tudo bem. Continue fazendo os brinquedos com os restos de madeira. Se alguém comprar, deixo uma parte do dinheiro com você”.

Niklaus não ficou feliz em vender suas criações, entretanto era uma forma de agradar ao pai. O velho só não sabia que o filho produzia muito mais brinquedos do que vendia.

            Henni chegou à vila causando curiosidade: A menina de longas tranças parecia uma criança triste. Era filha de Anselmi, o mercador ambulante. Órfã de mãe ficaria daquele dia em diante na cabana de uma tia, que deveria terminar de criá-la, enquanto Anselmi não lhe arranjasse um bom casamento. No dia de sua chegada, seus olhos se cruzaram por um breve instante com o olhar curioso-solitário de Niklaus e ela desejou poder conversar, mas limitou-se a olhar para o chão, cabisbaixa e completamente submissa aos rigores de sua criação.

            Durante os anos que separaram a infância da idade adulta, Niklaus e Henni nunca mais se encontraram – Ela não tinha permissão de ir à rua, ao colégio e nem mesmo até a janela frontal da casa. Niklaus, por sua vez, sem saber dessas limitações, tentava em vão vê-la à janela sempre que podia.

            O tão sonhado encontro ocorreu em uma ocasião triste: Quando Niklaus já era homem feito e Henni se aproximava da idade perfeita para o casamento, houve um inverno muito rigoroso que varreu toda a Lapônia com uma nevasca nunca antes vista. O vilarejo acumulou prejuízos imensos, com telhados destruídos, estradas bloqueadas por neve e árvores caídas. Foram meses de escassez de alimentos e sofrimento intenso. Anselmi, que estava em uma longa viagem, não conseguiu retornar e infelizmente a tia a quem ele confiara a educação de Henni acabou falecendo. Assustada com a defunta dentro de casa e faminta, Henni saiu às ruas do vilarejo. Ela não sabia aonde ir nem a quem procurar, completamente perdida acabou caindo ao chão quando trombou com Niklaus. Aqueles olhos… Ela tinha certeza de que já havia visto aquele olhar antes.

– A Srta. precisa tomar cuidado por onde anda.

– Perdoe-me. Nunca antes andei sozinha, minha tia acaba de dar seu último suspiro e eu não sei a quem recorrer. Tenho fome e medo.

– Meus sentimentos, Srta. Henni.

– Como sabe meu nome?

– Lembro exatamente do dia em que você chegou a este vilarejo, acompanhada pelo seu pai. Naquela manhã meu coração de menino foi roubado pelos teus olhos e hoje, meu coração de homem confirma que somente a ti poderá pertencer.

Ouvindo tais palavras Henni abriu um sorriso pela primeira vez em muitos anos, foi um momento breve, interrompido pelo hábito de silêncio que a família lhe havia incutido; assustada, logo abaixou os olhos e limitou-se a seguir Niklaus até sua casa, onde foi amparada, alimentada e acomodada até o final da nevasca e o retorno de seu pai.

O velho mercador que há tempos procurava um casamento para a filha viu na situação uma forma de concretizar o arranjo e assim, logo que a primavera deu o ar de sua graça, a união aconteceu.

Para alegria de Niklaus, Henni parecia entender que os tempos silenciosos e isolados haviam ficado para trás. Ela parecia mesmo uma donzela feliz, encantada em casar-se com o homem amado e ainda mais felicidade demonstrou quando recebeu das mãos calejadas do marido uma das bonecas de madeira esculpidas por ele nos tempos em que era rapaz:

– Eu nunca tive uma boneca antes. Meu pai tem bons ganhos, mas é tão pão duro que me negou a alegria de ter um brinquedo durante toda a vida. E depois que minha mãe se foi, vivi como uma prisioneira em casa.

– Meu pai também é sovina. Eu sonho com o dia em que terei meus próprios filhos e os deixarei livres para brincar.

– Teremos meninos e meninas lindos!

            Niklaus e Henni trabalhavam muito – Ele na carpintaria, que assumiu quando seu pai ficou velho demais para trabalhar, e Henni em casa, cuidando para que tudo ficasse sempre em ordem. Apenas uma sombra pairava sobre suas cabeças: O tão desejado herdeiro não chegava nunca. Ela passava o tempo vago costurando roupinhas para crianças e para as bonecas de madeira que Niklaus ainda fazia com as sobras da carpintaria, e, muitas vezes olhava para as estrelas perguntando a si mesma quando teriam crianças em casa.

            Em uma noite, Niklaus aproximou-se com olhar mais taciturno que o costume. Era véspera de Natal e ele carregava uma enorme caixa cheia de bonecas, bonecos, cavalinhos de madeira, blocos de montar e pequenos trenós. Colocou em seu trenó e chamou Henni:

– Amada, não é segredo que desde pequeno faço esses brinquedos e eles já estão se acumulando sem que ninguém os use, alguns inclusive já se estragaram. Hoje, quando passei pelo centro da vila, vi vários meninos e meninas tristes, crianças pobres em casas onde comida é artigo raro e brinquedos são sonhos. Decidi colocar todos esses no trenó e sair a distribuí-los. Vamos?

– Amado, sinto muito por não ter sido capaz de encher essa casa de pequeninos. Vamos então alegrar outras crianças. Levemos também algumas das roupas que fiz no tear para o nosso filho que tarda a chegar.

E assim, Niklaus e Henni iniciaram o que viria a ser uma tradição: percorreram a vila deixando presentes para as crianças mais pobres. Naquela noite também eles ganharam um presente: Ao retornar pelo meio da neve, perceberam um movimento estranho e acabaram encontrando Aimo, um órfão, que levaram para casa e decidiram criar como filho nascido de seus corações.

Niklaus passou a ensinar ao filho seu ofício – Ele havia jurado que suas crianças teriam todo o tempo para brincar, porém agora que era pai, percebia a importância de ensinar um ofício ao pequeno. E junto aos ensinamentos, Niklaus ia ensinando ao garoto os segredos de fazer brinquedos com os quais o garoto se divertia e outros que acabavam acumulados no fundo da dispensa. Ali reinava o equilíbrio: Havia tempo para trabalhar, tempo para brincar e tempo para estudar. Niklaus desejava que os filhos tivessem condições de ter uma vida verdadeiramente boa.

No ano seguinte, foram os três juntos entregar os presentes aos órfãos e aos pobres. E naquela noite especial, Henni sentiu pela primeira vez os movimentos de uma nova vida. Foram meses de alegria, onde a esperança crescia em seu ventre. A pequenina chegou na primavera e foi chamada Ayla. Agora Niklaus tinha uma família completa, como sempre havia sonhado. Ele acreditava firmemente que toda a alegria precisava ser compartilhada, por isso seguia produzindo brinquedos durante todo o ano para presentear as crianças do vilarejo no Natal. Já não usava apenas aparas de madeira: A marcenaria herdada do pai prosperava e ele permitia-se o luxo de usar material de qualidade em suas criações.

Passaram-se muitos anos desde o casamento de Niklaus e Henni, quando novamente um inverno rigoroso varreu o país. A vila ficou completamente isolada, as nevascas causaram muitos estragos e, faltando apenas um dia para a véspera do Natal, tudo parecia piorar. Naquela manhã, parte do teto da oficina da família de Niklaus veio abaixo e embora ninguém tenha se ferido, todos os brinquedos e roupas produzidos durante todo o ano foram perdidos, levando Henni, Niklaus, Ayla e Aimo a dormir aos prantos.

No dia seguinte, quando acordaram, um milagre havia acontecido: Encontraram os brinquedos todos intactos e o telhado reparado. Observando bem, havia até mais brinquedos, além de doces, biscoitos de gengibre e uma infinidade de roupinhas. Entretanto, perceberam que algumas frutas e leite haviam desaparecido. Ayla foi a primeira a levantar a hipótese

– Só podem ter sido os duendes! Eles nos ajudaram a fazer feliz o Natal das crianças!

            Os quatro se entreolharam e abraçaram-se. Não importava como, o Natal estava salvo. E esse foi o início de outra tradição: Todas as noites, deixavam leite, doces e frutas em uma travessa que invariavelmente aparecia vazia na manhã seguinte, e a produção de brinquedos só fazia aumentar. Aos poucos os duendes foram deixando a timidez de lado e apareceram para trabalhar em conjunto com a família de Niklaus.

            Infelizmente o tempo é uma ampulheta de areias implacáveis. O velho Niklaus ia ficando cada dia mais fraco e cansado, Henni também ia envelhecendo a olhos vistos. Já não eram mais os jovens fortes de outrora. Niklaus agora tinha uma enorme barriga, um andar tranquilo e cansado e uma barba branca e quanto a Henni, apesar de ser um pouco mais jovem que o marido, já apresentava seus cabelos brancos e precisava usar óculos durante todo o tempo.  Aimo e Ayla faziam de tudo para cuidar dos pais, da marcenaria e de seus próprios filhos – Pela primeira vez, Niklaus realizava o sonho de ter uma casa repleta de crianças.

Em seu coração, o velho sentia que seria o último de todos os natais de sua vida. Suas mãos tremiam e ele já produzia poucos brinquedos, sentindo-se agradecido por ter filhos doces que deram continuidade ao sonho de alegrar as pessoas menos favorecidas pelo destino. Ele arrastava seu grande saco vermelho cheio de presentes até o trenó quando se sentiu zonzo e caiu. Henni correu a ampará-lo, mas nada mais podia ser feito – Sua face arroxeada mostrava que a vida já se fora.

            Henni, Aimo e Ayla decidiram não dar a notícia tão triste aos amigos na véspera de Natal. Organizaram ali mesmo o velório, apenas entre os muitos membros da família que em vão buscavam confortar uns aos outros. O pai iria descansar para sempre vestindo sua roupa favorita: A roupa quentinha vermelho-brilhante que utilizava todos os anos naquela noite especial. E em sua memória, continuariam a tradição e iriam percorrer a cidade com o trenó, entregando os brinquedos.

            Os pequenos duendes observavam a cena. Lágrimas molhavam suas faces enrugadas e suas mãos pequeninas: O amor puro de Niklaus pelas pessoas faria muita falta. Reunidos em um cantinho da sala, eles começaram a cochichar! Precisavam de um plano infalível para salvar o Natal.  Compenetrados e tristes, não perceberam quando uma fada azul se aproximou e assoprou um pó lilás que mergulhou todos em um sono profundo.

– Vocês querem continuar produzindo brinquedos e alegrando as noites de Natal?

Os pequeninos se assustaram com a voz suave que se dirigia a eles. É lógico que queriam continuar a magia do Natal!

– Eu tenho um plano!  Mas isso irá alterar a vida de toda essa família para sempre!

E assim, os duendes e a fada cochicharam, surpreenderam-se, sorriram e começaram a trabalhar com afinco – A magia iria lhes custar muita energia, mas valeria  a pena! O Natal seria salvo não apenas na Lapônia, mas no mundo todo!

            Naquela véspera de Natal, todas as crianças da Vila foram dormir cedo. Ouvia-se ao longe o som de sininhos, e os presentes apareciam sob as janelas dos pequenos. O céu se coloriu em uma aurora boreal e o dia finalmente raiou. As crianças da vila encontraram seus presentes e brincaram gratas ao bom velhinho.

            Quando Henni despertou, percebeu que algo estava diferente. – O dia estava silencioso, o trenó vazio. Quem teria levado os brinquedos? Estranhamente, não sentia tristeza pela partida do marido, acreditava que estavam juntos em seu coração. 

– Bem vinda ao nosso mundo, Henni.

            Aquela voz. Ela pensou que jamais ouviria novamente aquela voz! Virou-se repentinamente em direção ao local onde Niklaus deveria estar deitado e percebeu que o corpo havia desaparecido.

– Niklaus!

Henni correu ao encontro do homem que amava tomando-o nos braços com a ternura do primeiro dia de casados

– Como é possível? Eu mesma o vi partir!

-A magia do Natal precisa continuar. Eu só preciso saber: Você vem comigo?

– Mesmo sem saber para onde, eu sempre escolherei ir com você.

O som dos risos e lágrimas despertou o restante da família. Aimo, Ayla e as crianças choraram de emoção ao ver Niklaus novamente vivo. Era impossível, no entanto… Ali estava!

– Os seres pequeninos lançaram um feitiço sobre essa casa: Ninguém mais poderá encontrá-la. Nós todos poderemos viver aqui, produzindo brinquedos para sempre. Não é maravilhoso?

A voz de Niklaus embargava de emoção. Em sua alegria, não havia se dado conta do mais importante: Sua família desejaria viver presa para sempre numa cápsula temporal, apenas para alegrar a existência de outras pessoas?

– Nós nunca mais poderemos sair daqui?

– Eu vou sentir falta da escola.

– Eu ainda não pude conhecer o mundo.

Niklaus não tinha respostas para essas questões. Olhava atônito para a família dividida entre a alegria de revê-lo e a surpresa pela nova condição. Henni segurava-lhe as mãos com firmeza e carinho. Era a única ali cujo coração já havia se desprendido do mundo há tempos e por isso sentia-se segura de seu desejo em acompanhar o marido na nova etapa.

– A magia depende do Amor. Niklaus e Henni ficarão aqui, eternizados nessa casa onde dedicaram suas vidas integralmente a amar – Revelou a fada azul, que observava toda a cena.

– E nós? – Ayla perguntou com a voz embargada.

– Vocês precisam seguir as vidas de vocês exatamente como sempre foi: Amem e façam o bem. E ensinem a seus filhos e aos filhos de seus filhos que a verdadeira magia do Natal está no amor.  Quando chegar o momento de fazerem a passagem, vocês irão se reencontrar aqui, para sempre.

            Abraçaram-se sabendo que não seria a última vez. Aquele Natal foi o mais triste e o mais feliz de todos os tempos.          

            Aimo assumiu a oficina de Niklaus. Fabricar coisas de madeira estava em seu sangue e, ao ensinar a arte ao filho pequeno, lembrava-se do pai. Ayla, assim como Henni, costurava com maestria. A família crescia e prosperava e a produção de brinquedos não parava. Espalhar amor e alegria era sua missão e ajudava a não sentir saudades.

            Um ano havia se passado. Novamente a noite de Natal se aproximava. Os habitantes da vila estavam tristes – No ano anterior receberam a notícia da morte do velho casal e mesmo sabendo que toda a família do marceneiro se dedicaria a distribuir presentes, sentiam em seus corações que nada poderia substituir as barbas brancas e a voz doce de Niklaus, por isso passaram a colocar em suas salas e varandas gravuras representando Niklaus com sua roupa natalina.

            Curiosamente, pelo restante do mundo espalhava-se a lenda de que um homem idoso, em seu trenó puxado por renas voadoras, havia sido visto por crianças enquanto sobrevoava as cidades deixando caixas de presentes aos pés das árvores enfeitadas. A magia do Natal começava a se espalhar sem que Aimo ou Ayla soubessem de imediato, afinal as notícias demoravam meses a chegar àqueles confins onde viviam.

            Nos anos que sucederam esses fatos, pessoas de todos os lugares começaram a colocar em botinhas vermelhas suas cartas com pedidos – Muitos eram pedidos simples: Alimento, uma roupa quente, um sapato para proteger os pés do frio. Niklaus, auxiliado pelos duendes, ia atendendo aos desejos um a um. Passou a ser conhecido como “Papai Noel” e várias histórias a seu respeito foram criadas. A tradição de presentear iniciada por um marceneiro e sua esposa tornara-se o símbolo das festividades natalinas.

            Demorou muito para que Aimo encontrasse novamente sua família: foi suave a noite em que recebeu a visita da Fada Azul, convidando-o a seguir em frente. Não sem lágrimas nos olhos, ele partiu, deixando para trás filhos e netos que se dedicaram a cumprir sua boa obra.  O reencontro entre ele,  Niklaus e Henni foi afetuoso como deveria ser. Estava em casa novamente.

            Três anos depois do irmão, foi a vez de Ayla receber a visita da fada. Ela estava deitada em sua cama, pensando com saudade dos tempos de infância. Ouvia os sons das crianças da vila correndo pelas ruas, atirando bolas de neve umas contra as outras. Sorriu ao ver a luz azul adentrando a janela. Sentia que sua missão no mundo estava cumprida.

            Cada um dos descendentes de Niklaus e Henni ouve essa história desde muito pequeno e trata de continuar o legado. Alguns continuam fabricando brinquedos. Outros diversificaram suas profissões e passaram a fabricar alimentos, roupas e livros. Há os que se espalharam pelo mundo, levando o amor a cada recanto mais distante do planeta.

Infelizmente com o passar dos anos e a chegada da Era da Tecnologia, muitas crianças têm deixado de acreditar no Papai Noel. Ironicamente nunca a imagem de Niklaus e Henni foi tão fabricada, vendida e exposta: A grande indústria e o comércio as utilizam massivamente na época de Natal. A festa tornou-se um sinônimo de consumo desenfreado, gastos desenfreados, comilança desenfreada e muita frustração. As cidades ficam bonitas, decoradas e repletas de luzes em uma malograda tentativa de mostrar que tudo está belo, perfeito. Por pelo menos um mês, tenta-se ofuscar a miséria, varrendo-a para baixo do tapete. Alguns acreditam que essa é a “magia do Natal”: esconder os miseráveis, vender e decorar ambientes com luzes e árvores artificiais. Ledo engano: Todas essas coisas só fazem enfraquecer a magia que mantém intocada a família de Niklaus e Henni.

            Mas então o que é a magia do Natal? O que mantém a magia do Natal? A cada bebê que nasce e sorri pela primeira vez, a magia se fortalece. A cada pessoa que, ao redor do mundo, esconde suas próprias dores para fazer um ato de bondade, mesmo fora do Natal, a magia se fortalece. Ainda bem que há inúmeras crianças sorrindo pela primeira vez neste momento, bem como há pessoas pelo mundo todo se dedicando a amar seu próximo através de formas tão simples quanto fundamentais: Um prato de comida a quem tem fome, um abraço, um brinquedo para uma criança desconhecida, o cuidado com o meio ambiente. Todas essas pequenas gentilezas do dia a dia fortalecem o Natal e a magia que mantém, em algum lugar da Lapônia, uma casinha simples intocada pelo tempo onde vivem dois velhinhos e seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos fabricando brinquedos junto a uma legião de duendes.

                                                                                  *

            Milan terminou a leitura e percebeu que a professora tinha lágrimas nos olhos. A turma o olhava fixamente e demorou alguns minutos para aplaudi-lo.

– Quase me convenceu, porém EU sei que as cartinhas que nós escrevemos são enviadas para o correio e entregues a pessoas adultas que tem dinheiro e nos presenteiam no Natal.

Houve um burburinho na sala. Naquela turma havia alunos no início da adolescência e, de fato o Natal já não tinha o mesmo encanto e embora a maioria concordasse com Miguel, algo em seus corações ainda palpitava, acreditando na história de Joaquim.

– Milan, sua história é linda! Parabéns pela imaginação!

– Professora, não é imaginação. Essa é a história que minha família conta sobre o Natal. Eu só escrevi do meu modo.

            Sentindo que não havia conseguido convencer a turma, o menino se sentou em seu lugar recebendo um sorriso cúmplice da professora.

            – Tudo bem, Milan. É uma história linda e repleta de esperança.

                                                                                  *

            Véspera de Natal.  Milan e os pais estão ocupados, servindo a ceia de Natal para pessoas em situação de rua – É um voluntariado que ocupa boa parte da noite. O menino observa crianças e adultos em fila para receber o alimento. Ele sorri, pois sabe que está participando de algo especial e que um dia irá conhecer seu antepassado Niklaus. O mais interessante, no entanto, é ver as pessoas que nada sabem sobre as origens de Noel: Elas passam horas preparando e servindo alimentos, separando roupas e brinquedos, organizando uma noite especial para pessoas desconhecidas mesmo não sento ta-ta-ta-ta-taranetos do bom velhinho. E isso, para Joaquim, é incrível. É amor e magia. Repentinamente um sorriso inunda seu rosto: Se Miguel pudesse estar ali, ele entenderia o verdadeiro significado do Natal.

            Em outra parte da cidade, na casa de Miguel, as luzes estão apagadas. Nada de comemorações, decoração, presentes ou comida farta. Os pais estão desempregados e a crise econômica mal permite a sobrevivência da família composta por pai, mãe e cinco crianças.

            Acordado, Miguel revira na cama. Estava certo afinal: Papai Noel não existe. O estômago ronca de fome. Pé ante pé, levanta para ir até a cozinha. Ouve um barulho, mas ignora.  No telhado, uma figura roliça espera o momento certo. O menino não pode vê-lo, são as regras. Ele desce e entra pela janela:

            – Preciso deixar um presente para esse menino. Ele precisa acreditar no Natal!

            Quando retorna, Miguel encontra um embrulho sobre a cama. E repara que, aos pés das camas de seus quatro irmãos, há embrulhos também.

            – Presentes! Nós ganhamos presentes!  – Ele não consegue conter a alegria e grita a plenos pulmões, acordando os irmãos que, apressadamente rasgam as embalagens e encontram suas prendas.

            Com o barulho feito pelas crianças, os pais acordam cambaleantes. Atônitos, veem pacotes abertos pelo chão. As crianças seguram brinquedos novos!

            – Só pode ser um milagre de Natal!

            – O Papai Noel esteve aqui – Brada Miguel!

            – Mas você não enchia a boca para dizer que ele não existe? – Rebate Cássia, a irmã mais velha.

            – Papai e mamãe já disseram que ele não existe. Mas essa noite ele existiu!

            Os pais observam sem palavras a discussão. Alguém de fato entrara na casa, mas quem? Procurando ao redor, não encontravam sinais ou explicações. Se tivessem olhado para cima por um só estante, perceberiam uma figura idosa em sua roupa vermelha.

            – Tem uma carta aqui! Miguel gritava com o envelope vermelho e grande nas mãos.

            – E tem comida na geladeira! – A mãe exclamava alegre. Comida! Leite, queijos, ovos, verduras e frutas!

            – E em cima da mesa tem uma carta para mim – Entusiasmou-se o pai – Eu estou empregado! Devo comparecer na última empresa em que deixei currículo!

            – Miguel, vamos ler logo essa carta!

            Sentaram-se ao redor da mesa. Miguel, ao centro, segurava o envelope entre os dedos. Ali estaria a solução dos misteriosos presentes?  

            Querido Miguel, espero que esta carta o encontre feliz e com o coração repleto de esperança.

            A essa altura, acredito que você tenha percebido quem está escrevendo: Sim, sou eu, o Papai Noel. Sei que há tempos não acredita mais em mim, mas a verdade é que eu sempre estive aqui, de uma forma ou de outra.

            Saiba jovem menino, que eu existo desde os tempos em que seus antepassados sequer sonhavam em existir. Minha infância foi triste e o hábito de doar brinquedos veio de outro episódio triste da minha vida. Mas isso você também já sabe, certo? Creio que o Milan lhe contou na escola. Sim, não se espante: A história é verdadeira.

            Eu não daria conta de atender tantas pessoas: São milhões de desamparados ao redor do mundo.

            O fato é que eu existo e vivo em uma cabana da Lapônia em um lugar escondido que só poderá ser encontrado pelos meus descendentes depois de toda uma vida de trabalho e dedicação ao próximo. E há ainda mais um segredo: Se você acreditar muito na minha existência e for um bom menino durante o ano todo, poderá ter a sorte de me ver rapidamente na noite de Natal. Quem sabe no próximo ano?

            Deixo-o com a sua família! Cuide-se e cuide de seus pais e irmãos!

            Abraços, Papai Noel.


Este post faz parte do BEDA. Sigam também os escritos de:

Denise Gals

Ale Helga

Lunna Guedes

Suzana Martins

Roseli Pedroso

Mariana Gouveia

Obdulio

Claudia Leonardi


6 comentários sobre “Niklaus e a verdadeira magia do natal

    • Esse conto fazia parte de uma Antologia organizada por uma editora, com a retirada do livro do mercado, os direitos autorais voltaram para mim (conforme o contrato)… Achei estranho guardar e tentar reenviar para outras antologias em Dezembro, preferi postar por aqui…rs… Sempre há os saudosistas do Natal

      Beijos!

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