O conto do céu, do gramado, da menina e de sua personagem oculta.

Ela olhava para a imensidão do céu enquanto se aconchegava junto ao corpo dele – A primeira vez que deitava na grama ao lado de alguém, de mãos dadas. Toda a leveza das nuvens parecia ter sido magicamente transferida para aquele momento – Que lhe importava o futuro quando podia estar ali naquele instante? Que lhe importava definir qualquer coisa? Ela apenas fechava os olhos e desejava mais momentos assim – momentos de menina, de conforto e abrigo, momentos de primavera muito embora ela já se encontrasse no outono da vida. A sensação do entrelaçar dos dedos, a conversa sobre tudo, sobre nada e sobre alguma coisa. Era bom ser ela mesma, como na noite em que mergulhara pela primeira vez naqueles olhos-lagos-profundos. Ela sabia que possivelmente em algumas horas ele a provocaria e aquela outra menina que vivia dentro dela iria emergir e transformar a paz em fogo e o azul do céu em tempestade – Tudo bem, ela aprendera a gostar desta outra metade depravada e imprópria que morava ali, entretanto naquele instante ela queria ser apenas uma garota se permitindo aproveitar um fim de tarde de sol num gramado com cheiro de mar – Não queria pensar que algumas vezes doía ter que pedir permissão para tocá-lo, queria apenas aproveitar o momento raro e doce. Tão bom trancar a garota atrevida dentro da jaula. Tão bom questionar sobre os muros que deveria ter construído e saber que teria sido um esforço vão. Olhando a imensidão celeste e ouvindo os sussurros do mar ela desejava encontrar uma forma de deixar um pouco da alma dela com ele. Se ele perguntasse o que ela sentia, ela diria apenas “paz e gratidão pelo momento”. Fechou os olhos por alguns minutos sem imaginar que o dia doce terminaria em uma noite de surpresas: Naquela noite ela descobriria que mesmo a menina depravada guardava em si a capacidade de se machucar.

As horas haviam passado rápidas e eles estavam na masmorra – Ela havia se deixado naquela praia, havia colocado uma roupa sensual e pintado o rosto – não era mais a menina-mulher, era a garota depravada, a escrava, a que entregava o corpo protegendo o coração, sem apego ou leveza – Isso é o que racionalmente ela pensara até então: Até entrar naquela masmorra e ver outra amarrada ali, recebendo atenção, carícias, provocações e tapas do seu Senhor. Seus olhos se encheram de água – Como assim? A garota depravada não tinha coração, apenas corpo e escuridão. Ela se forçou a permanecer naquele espaço o máximo que pode antes de descer as escadas em busca de água e silêncio temporário. Mais tarde ela não conseguiria explicar o que sentiu ou porque doeu tanto – assustada e frágil, ela apenas permitiria que seu Senhor acariciasse seus cabelos, recusando-se a falar sobre coisas que ela não entendia – talvez a menina de horas mais cedo, durante a tarde no gramado, entendesse. Mas ela não estava ali. Sentada com a cabeça apoiada nos joelhos do seu Dono, a pequena depravada olhava ao seu redor – Só queria que a noite acabasse. Não gostaria de ter presenciado seu Senhor fazer uma cena dominando um outro amigo, que submisso e entregue recebia chicotadas e tapas, com os olhos vendados e as mãos acorrentadas – A garota sentia o ar faltar, como se não houvesse sentido estar ali naquele tempo-local. Na volta uma pausa para tomar café preto e pão na chapa – Ela não conseguia sequer definir quem estava no comando (Seria ela ou sua personagem?) quando ele a abraçou e começou a dançar uma música do Charlie Brown Jr. enquanto esperava a hora de retomar o caminho de casa – Sentia-se apenas assustada e ao mesmo tempo feliz por aquela dança suave e divertida após uma noite de surpresas assustadoras. Sorriu e teve vontade de beijá-lo ali mesmo, mas se conteve – Se o Senhor quisesse, ele deveria tomar a iniciativa. Seria mais um beijo que existira apenas na imaginação. Ele a deixou na porta de casa com um abraço carinhoso e pela primeira vez ela preferiu dormir antes de escrever em seu diário. Incrível como um momento pode bagunçar até mesmo a tranqüilidade de uma personagem sem emoções. Seria bom se ambas – a menina e a personagem – pudessem conversar por alguns minutos. Talvez se abraçassem mudas em seus espantos, sustos e alegrias. Talvez se sentassem juntas para escrever este conto e tudo fizesse um pouco mais de sentido.

 

04-05-19

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Um conto de páginas em branco, sonhos e raios de Sol

Naquela Segunda-Feira o dia começara diferente – O Sol, que sempre a encontrava com feições de sono, a encontrou em pé, pensativa, observando os primeiros raios de luz que se esgueiravam pela porta entreaberta da cozinha. Tivera um sonho bom na noite anterior – Um sonho tranqüilo, onde ela e ele caminhavam de mãos dadas e pés descalços em uma areia clara. Acordou com uma sensação boa, uma vontade de sorrir e de vê-lo novamente, sabia, entretanto, que com sorte conversariam um pouco por mensagens e nada mais – Afinal, a vida insiste em adicionar mais afazeres do que horas livres na vida das pessoas. Pegou o caderno para guardar na bolsa – Há dias não conseguia escrever  nada que não fosse sobre aquela noite ou o que sentira depois disso – Prometeu a si mesma escrever sobre outra coisa naquele dia, mas, antes de guardar o caderno, abriu a última página em branco e começou a escrever – traçou linhas e outras tantas linhas sobre o quanto foi real a sensação de caminhar com ele durante aquele breve sonho interrompido cedo demais pelo despertador, sobre como suas mãos pareciam encaixar-se perfeitamente e seus passos se alinhavam na areia, como se caminhassem numa coreografia. Ela escreveu sobre o sorriso dele, sobre os olhos que eram ao mesmo tempo lago e floresta e a faziam sentir-se menina-sereia-fada. Ela escreveu sobre o sol ameno e o mar azul, sobre a areia branca que foi em seu sonho o tapete de um caminho feliz. E escreveu sobre acordar desejando continuar o sonho. Naquele amanhecer, ela acordou com vontade de voltar aos sonhos e de poder voltar no tempo. E então, olhando aquelas páginas, pela primeira vez, perguntou-se quando havia passado a vê-lo como alguém que lhe despertava desejos que iam além da amizade compartilhada – desde quando mãos entrelaçadas e abraços haviam deixado de ser meras alegrias e carinhos com sabor de infantil ternura? Quando se dera conta do quão atraente ele era e passara a desejar mais que meramente amizade? Eram tantas perguntas sem respostas que iam se acumulando – E que adiantava afinal tentar respondê-las? Qual a importância de delimitar sentimentos por datas exatas? Marcara a data do primeiro beijo- que talvez fosse o último – ou o primeiro, e concluíra que não era importante saber desde quando o olhava com olhos de moça encantada. A vida seguiria, assim como seguiam os minutos passando, a água do café fervendo, o Sol subindo mais e mais em direção ao centro do céu. A vida seguiria e se encarregaria de tornar aquele sonho real ou não. A vida seguiria e ela seguiria junto, escrevendo seus diários como fossem contos, como se pudesse observar do alto e de longe, numa vã tentativa de se proteger daquele turbilhão de sentimentos ao colocar-se como observadora. A vida seguiria e ela haveria de aprender novamente a se proteger, quando na verdade, o que mais queria era ser protegida dentro daquele abraço que a apartara do mundo por alguns instantes e a fizera voar ao céu…

 

09-10-17

 

Septum

Uma caminhada entre noites e crepúsculos, amanhecer, cidades, cartas. O cheiro de café, o som do velho relógio na parede.  Ler Septum trouxe tantas sensações que me é quase impossível enumerar. Um livro que me acompanhou por dias, entre páginas e mais páginas, li e reli trechos inteiros, confesso que queria me prender, morar naquelas linhas, e entrelinhas por mais um tempo. E assim me permiti viver por mais de um mês -sem pressa, indo e vindo ao final, ao meio, ao inicio. Há uma doce sutileza na forma como Lunna Guedes escreve, ela leva o leitor aos lugares que descreve e quase é possível ouvir os passos da autora par em par com os do leitor.                                                                                         Há um tempo fiz uma breve resenha do livro “Lua de Papel”, primeiro de uma trilogia, e senti que sequer cheguei perto de transmitir todo o encanto que aquelas páginas trouxeram aos meus dias. Sinto a mesma coisa com Septum! Não há como fazer uma resenha, pois é um livro para ler e sentir, ler e reler, ler e desejar tomar um café quente ou sair pela noite afora.

Querem um conselho? Não tentem entender os livros da Lunna pelas minhas palavras! Jamais minhas linhas serão suficientes para descrever as palavras dela. Entrem no blog Catarina voltou a escrever e conheçam um pouco a autora – se gostarem (e eu sei que irão gostar), adquiram os livros que são verdadeiras obras de arte, tanto pelo texto inigualável que trazem quanto por sua encadernação artesanal caprichosa!

Lunna, obrigada por novamente compartilhar teu mundo comigo. Você mora em meu coração! Espero caminhar contigo por muitos anos ainda!

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Amar

Amar é viajar em um segundo ao céu
Amar é cruzar um mar de fel
Amar é enfrentar no peito um furacão
Amar é ter sentimentos em oposição
É sorrir quando está triste
Sentindo na alma aquela esperança insistente
Amar é ter mil motivos para sorrir e ainda assim, chorar
Chorar a saudade de um beijo com o qual resta sonhar
Amar é uma trilha pedregosa
É ter no coração uma rosa
E da rosa sentir os espinhos
Que perfuram a alma, gotejando sangue pelos caminhos
Amar é viver
E ao mesmo tempo, morrer
Morrer para o mundo
E para dentro de si viajar, ir até o fundo
É sentir pela primeira vez que a solidão não tem sentido
Entender o significado de um coração partido
Acreditar em contos de fadas
E em princesas encantadas
Construir no ar castelos de nuvens
Amar é chorar solitária a cada madrugada
De saudade, passar a noite acordada
Amar é desejar jamais ter conhecido o Amor
Sentindo inegável dor
Amar é inexplicável
É ter no coração um sentimento inabalável
Amar é… Simplesmente amar.

Sentimentos…
Poeiras de ilusão
São das ninfas os cantos
A chama da paixão

Doce veneno
Alento
Vida
Lágrima muda

Cristais quebrados
Espalhados
Do coração arrancados

Olhos que já não choram
Não brilham
Flores não falam
E paixões se calam