Paternidades

Paternidade é uma escolha. Pode ser que essa frase choque muitas pessoas, principalmente quando dita/escrita no dia dos pais, porém, por mais chocante que possa parecer, é uma verdade. Maternidade também deveria ser uma escolha, mas, para a mulher, é uma imposição. Vejam, todas as pessoas podem ser genitoras de alguém – basta que uma pessoa com vagina e uma pessoa com pênis mantenham um ato sexual e pode acontecer a concepção de um novo ser. Mas, na nossa sociedade, a mulher cis será obrigada a ser mãe: Carregar o feto por nove meses – Aprender a cuidar e em muitos casos, enfrentar julgamentos nos olhares das outras pessoas, além de ter sua carreira ou estudos interrompidos ou prejudicados. Já ao homem, é dada a escolha: Ser pai ou ser genitor? Muitos optam por serem apenas genitores – Algumas vezes, registram a criança com o sobrenome, pagam pensão e pode ser que peguem o infante quinzenalmente pra visita. Genitor. Não pai. Pai é quem acompanha, é quem está presente além das fotos nas redes sociais. O pai escolhe ser pai, abre mão de algumas coisas, para que a mãe não precise abrir mão de quase tudo, se vivem uma relação de casamento, o pai cuida da casa porque também mora ali, ele não ajuda, ele faz porque é sua obrigação fazer. Ele não ajuda a cuidar da criança – Ele cuida porque sabe que o bebê não se fez sozinho ou por mágica. Ele opta por ser pai.  O pai não precisa ser necessariamente a pessoa com pênis na relação, nem a mãe precisa ser a pessoa com vagina – Ninguém usa o órgão sexual para cuidar de um bebê, nem para limpar a casa – Espero que a essas alturas, vocês já saibam disso, certo? Só estou reforçando devido à polêmica da semana passada, envolvendo uma empresa de cosméticos e um homem transgênero que OPTOU por ser pai, coisa que muitos dos que apontam o dedo, não fizeram.  Agora, falando ainda em pais e filhos, vi uma notícia estarrecedora sobre uma mãe que perdeu a guarda da filha por permitir que a menina participasse de um ritual religioso de uma religião afro-brasileira (não vou apontar aqui se Candomblé ou Umbanda porque esqueci de anotar e não tenho certeza) – O nível de intolerância neste país chega ao absurdo: Numa sociedade em que muitos optam por não ser pais, em que mães se vêem constantemente sobrecarregadas e tolhidas de oportunidades, numa sociedade que atingiu a marca de cem mil mortos pela COVID-19, ainda há pessoas gastando energia em ser intolerante com a religião escolhida por uma mãe e seguida pela filha – O nome disso é intolerância religiosa e racismo – E esse é um dos males que assola nossa sociedade – Aliás, no início da pandemia, li muitas pessoas dizendo esperançosamente que sairíamos melhores como seres humanos deste período. Ao ler as últimas notícias, você que me lê, acredita sinceramente que haverá alguma modificação positiva? Pois, por aqui, está bem difícil de ver uma luz qualquer no final do túnel. Antes que eu me esqueça, um feliz dia dos pais, a todos os leitores que optaram pela paternidade real, ativa e verdadeira. Aos outros, apenas tomem vergonha na cara.

Esse texto faz parte do BEDA: Blog Every Day August.Também participam

Lunna GuedesAle Helga ChrisObdulionoAdriana Mariana GouveiaDrica VivianeClaudia

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Leitura Sinistra

Minha “leitura sinistra” foge bastante ao tema, aliás, talvez nem seja considerada sinistra por muitas pessoas. Tenho algumas paixões na vida, entre elas estão os livros e a culinária – acho que quem me acompanha por aqui já sabe disso, né? Enfim, há um tempo, “adotei” na estante de doação de livros da biblioteca de Santos uma coleção de quatro livros cujo título é “Práticas do lar”.  São livros antigos, de capa dura já maltratada e páginas amareladas repletas de receitas para o dia a dia ou para ocasiões especiais, algumas com fotos e todas com “enfeitinhos” nas bordas da página. Até aí, tudo bem, certo? O que mais se esperaria de uma coleção chamada “Práticas do lar” além de receitas e dicas domésticas?. O fato é que apenas os três primeiros livros continham receitas, o quarto livro dedicava-se a tratar de “direitos e beleza da mulher”! E isso me incomodou terrivelmente! Como assim? Então uma coleção de práticas do lar é voltada apenas para a MULHER? Até onde eu saiba homens também comem, também recebem visitas, também se vestem e precisam sim cuidar da pele e cabelos. Ou não? Pois é! Achei sinistro perceber o quanto no ano de 1978 (ano do livro), era naturalizado o papel da mulher como alguém “do lar” e o quanto é ainda recente a conquista de alguns direitos que hoje temos. Pessoalmente, por mais que eu adore cozinhar e fazer agrados pras pessoas que amo (e sim, acredito que nesse e somente nesse sentido, se um dia eu me casar, vá ser a esposa que espera sempre o marido com uma comida gostosa pronta), não consigo me ver vivendo uma vida onde alguém decida tudo por mim e onde minhas obrigações sejam sempre relacionadas a beleza, casa e filhos. Assustador imaginar a vida feminina conforme descrita neste “volume 4” da coleção – E vou adiante: Acredito que deveria ser um pesadelo para o homem também, afinal, qual o prazer em viver com uma mulher que não acrescente nada a ele em termos de visão de mundo, experiências e independência? Acredito que em qualquer relação humana, o cuidar do outro deve ser separado do “manter o outro dependente e apático diante da vida”.

Sobre os outros três livros: As receitas antigas fariam meu contador de calorias explodir! Quanto açúcar e gordura de uma só vez! E quanta carne! Apesar disso, encontrei muita coisa que me deixou com água na boca e, certamente, pouco a pouco, farei adaptações para o veganismo e postarei por aqui!

E vocês? Quais reflexões trazem sobre essa questão da condição da mulher na sociedade através dos tempos? Também acharam a leitura sinistra?

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Dica literária: Todos os homens são mortais – Simone de Beauvoir

Imortalidade –  Desde os primórdios a origem da vida e o destino após a morte são mistérios que amedrontam o homem. Mistério e medo – ingredientes mais que suficientes para suscitar o surgimento de mitos e histórias diversas. Viver para sempre, acompanhando cada mínima mudança ocorrida no mundo, intervindo no destino de seu país e de seus entes queridos, seria um dom? Seria uma benção ou uma maldição? Talvez, num primeiro momento, sem maiores questionamentos, beber uma poção da imortalidade, fosse o impulso humano. Trazemos sem dúvida em nosso âmago um enorme instinto de sobrevivência que nos faria beber sem titubear uma formula que nos prometesse a vida eterna. Além disso, nosso ego inflado sussurraria aos nossos ouvidos o quanto somos importantes, as coisas grandiosas que poderíamos fazer caso nosso tempo não fosse tão curto e nossa existência tão frágil.

Na obra todos os homens são mortais, Simone de Beauvoir se debruça sobre a questão da imortalidade. É um livro sobre a inexorável roda do tempo que gira pesadamente sobre a humanidade reduzindo impérios a pó e pessoas poderosas a lembranças que aos poucos vão se apagando perante o brilho de novos rumos e acontecimentos. Tudo gira em torno do poder, da ganância, do egoísmo. Se em um primeiro momento o Conde Fosca desejou a imortalidade por acreditar-se capaz de ser o melhor governante que Carmona poderia ter, o tempo e as perdas inevitáveis da vida irão lhe mostrar que mesmo a morte possui um sentido, uma razão de ser. A imortalidade desejada torna-se um fardo sobre suas costas – um pesado fardo que atinge também as pessoas que o cercam, em especial àquelas a quem é dado conhecer a verdade sobre sua natureza; pode-se mesmo dizer que, se o primeiro questionamento do livro é sobre até onde a imortalidade é um dom ou uma maldição, o segundo questionamento é sobre o conhecimento – Afinal, conhecer e se afeiçoar a um ser imortal implica receber o conhecimento de séculos. Qual seria o efeito de alguém que vive a sombra desse conhecimento, adquirido não através do estudo, mas através de um ente imortal? Serviria tal saber para tornar uma pessoa mortal mais sábia, humilde, melhor? Ou serviriam para alimentar seu espírito com a certeza de que após a morte, pouco a pouco sua memória será apagada e esquecida? O conhecimento seria então um veneno a enlouquecer e desestimular tal pessoa a viver uma vida produtiva?

Beauvoir habilmente levanta tais questionamentos através de uma narrativa que, inicialmente parece lenta e cansativa, mas vai pouco a pouco cativando e arrastando o leitor a uma reflexão profunda e perturbadora.

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Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor (Allan E Barbara Pease)

A leitura do mês de Fevereiro certamente não é uma obra literária de ficção tampouco pode ser classificada como um tratado científico acerca do comportamento humano. Os autores demonstram a existência de diferenças entre o comportamento masculino e o feminino e as atribuem a formação da estrutura cerebral – o que ocorre ainda não gestação devido a ação dos hormônios. Outra preocupação constante dos autores é salientar o quão perigoso é tentar fazer com que homens e mulheres acreditem em uma suposta igualdade de gênero, pois se ignorarmos diferenças que de fato existem entre os homens e mulheres, o resultado será confusão e frustração.

A obra é interessante, de fácil leitura além de ser bastante engraçada em alguns momentos, vale a pena ler sem levar “ao pé da letra” tudo o que se diz.