Dica Literária: Cem escovadas antes de ir para a cama – Melissa Panarello

Lembro de estar folheando uma revista qualquer quando me deparei com uma pequena resenha sobre o livro da italiana Melissa Panarello. Eu tinha dezessete anos e pouco interesse por sexo ou erotismo – Confesso que já havia lido alguns livros considerados “quentes”, como Sidney Sheldon , D.H Lawrence ou a francesa Régine Deforges com seu “Diário Roubado” ou sua coletânea “A bicicleta azul” – Inclusive, acredito que apesar de serem livros considerados “impróprios”, não representaram um dano para a minha formação – Eu apenas lia desatentamente as cenas mais românticas/eróticas, como quem pensa “mas o que leva dois adultos a fazerem isso?” e não raro, eram as represálias de professores ou familiares que me diziam que o livro não era para a minha idade (não adiantava nada, afinal, minha mãe e eu sempre tivemos ótimas conversas e eu jamais fui proibida de ler algo). Voltando ao livro da Panarello: Eu, em meus dezessete anos, após ler a resenha na revista, comecei a procurar pelo livro. O motivo? A autora, ainda adolescente, foi expulsa do colégio onde estudava pelo fato de ter escrito a obra. Trata-se de um diário e, na conservadora cidade italiana onde vivia, causou choque e comoção. Eu precisava ler! Pela primeira vez, não estava buscando títulos entre os livros da minha mãe ou os da biblioteca, nem procurando ler as obras exigidas nos vestibulares. Eu queria ler o livro considerado erótico e chocante, escrito por uma menina apenas um ano mais velha que eu! Afinal, já nessa época, eu escrevia meus primeiros rascunhos e sonhava me tornar escritora! Como ela havia conseguido? O que eu precisaria fazer para completar uma história? A ansiedade pela leitura era enorme. E assim, após uma pequena procura e pouco antes dos meus dezoito anos, ganhei o livro e li em uma única tarde. Li outras vezes com calma. Guardei por um tempo e depois doei na biblioteca da escola em que eu estudava – Confesso que guardo curiosidade de saber se ainda está lá. Ontem, ao visitar a 9ª Festa do Livro, encontrei um exemplar na banca para “adoção”. Não peguei. A história já não me diz nada, tantas foram as leituras e releituras. Mas tirei uma foto para publicar na página junto com o resumo.

         A história é chocante por ser real. Melissa é uma menina tímida, insegura e acaba pulando várias etapas que deveriam ser de descobertas poéticas e corações partidos, caindo direto no redemoinho intenso do sexo casual e de diversos fetiches. O erotismo é latente, permanente, mas não vulgar – Melissa consegue escrever de uma forma ao mesmo tempo elegante e instigante e isso faz o leitor prender o fôlego. O filme, lançado anos depois, modificou a história e retirou a sensibilidade do texto, deixando uma pornografia sem graça – foram quase duas horas perdidas diante da televisão! Portanto, se você leitor ou leitora, se interessou pela obra, leia o livro, passe longe do filme. E depois me conte o que achou!

Publicidade

Diários da poetisa 2/365

Segundo dia do ano. Após uma passada de olhos pelas notícias, penso em escrever. A inspiração não aparece. É difícil acreditar nos rumos que o país está tomando em menos de quarenta e oito horas de um novo governo. Penso que preciso aprender a escrever poesia com maior teor social e menor teor romântico – Afinal, que sentido tem sonhar com o amor, quando tantos outros sonhos de tanta gente são jogados por terra? O problema é que poesia não se aprende, poesia se vive e neste momento a inspiração tirou férias e sumiu. Lembro que, quando criança, minha maior diversão era estudar. Olhando o Sol que me tira toda a vontade de sair, leio um livro. Realizo alguns afazeres e mergulho em um aplicativo para aprender idiomas (quem sabe eu consiga asilo em Cuba ou no Uruguai). Horas depois, já cansada, lembro que propus a mim mesma escrever todos os dias um pequeno diário – a poesia não veio, mas os pensamentos não se calam e exigem tornar-se relatos. Pensando bem, há alguma poesia escondida até mesmo na falta de inspiração que ronda o dia de hoje.
#DiáriosdaPoetisa #2de365

Diários da Poetisa 01/365

Era uma vez o primeiro raio de Sol de um novo ano. O mais aguardado por todos – Muitos passaram a noite acordados na praia esperando aquele novo dia. O que esperar de novo afinal? Pensava a poetisa, distraída entre conversas, músicas e o barulho do mar. Seus pensamentos acelerados exigiam um caderno, os olhos vermelhos, cansados pela noite de comemoração já não conseguiam fitar por muito tempo a tela do celular para escrever. Pensava que as palavras se perderiam na brisa suave. Seria uma pena. Precisava escrever. Tirou uma foto, sozinha. Havia ali algumas amigas, mas seu coração gostava de manter certas tradições que ela mesma criara: A primeira foto do alvorecer de um novo ano geralmente era reservada ao melhor amigo ou a melhor amiga. Sempre. E eles não estavam ali por motivos outros que não cabem no texto. Ela poderia ter tirado essa foto após a queima de fogos, mas o costume do alvorecer era maior. De alguma forma, ela sentia que apesar de quebrar sua própria tradição de sorte, o ano novo seria bom caso não tirasse a foto inicial com outra pessoa. Sorriu ao ver o céu ficar cada vez mais cor-de-rosa: A noite fora divertida, bem melhor do que havia imaginado meses antes. Faltaram alguns rostos e abraços importantes, mas por motivos bons. Não choveu. A música foi agradável. Conheceu pessoas, trocaram risadas e conversas, coisa que raramente fazia por ser tímida e acostumada a observar mais e falar pouco. Pulou as sete ondas e fez seus sete desejos. Nunca se realizaram os sete desejos dos anos anteriores, quem sabe nesse ano se realizariam? Despediu-se dos amigos feliz pela companhia. Seguiu caminhando pela praia, perseguindo o amanhecer. Tirou algumas fotos – alguma ilustraria os primeiros pensamentos de um novo ano. E assim o primeiro capítulo de 2019 foi escrito horas depois de acontecer – o sono certamente levou embora parte dos pensamentos agitados da menina-poetisa, parte das sensações e inseguranças, mas deixou bem mais do que ela poderia imaginar naquela manhã em que saudava o Sol e se encarregava de desejar que aquela claridade suave e bem-vinda trouxesse as melhores coisas para as pessoas que vivem em seu coração.

 

Um conto de céu, muros e incertezas

Estava escuro lá fora. Ela encarava o céu buscando encontrar uma resposta, uma direção ou um pouco de paz – O céu, por sua vez, parecia encará-la de volta, sério e compadecido da angústia que a envolvia. O relógio corria tão rápido, mas não tão rápido quanto o pulsar de seu coração. Havia passado anos construindo um muro alto ao redor de seu coração – um espaço seguro com janelas pequenas, de onde podia ver o mundo sem se ferir. Ela pensava estar segura, protegida. Seu coração era seu castelo, habitado por poucas pessoas que jamais a magoariam – família e uns poucos amigos amados. E então, naquela noite, aconteceu – aqueles olhos onde sempre encontrara amizade e pureza haviam se tornado tentações, lagos profundos, recantos convidativos. E ela mergulhara… Seus muros não eram tão fortes afinal, seu coração não estava tão protegido como havia imaginado. O toque da pele dele ainda queimava sobre a sua, e, aquela noite de primavera, aquela rua escura, aquele espaço-tempo que vivera, ainda habitavam seus sonhos, seus pensamentos e seus suspiros. Olhou novamente o céu – Era sábado. Havia passado poucos dias, nem uma semana. O tempo ainda iria fazer seu trabalho e transformar aquela memória em um devaneio, algo que poderia ou não ter acontecido. Talvez, em um futuro distante, ela conseguisse até mesmo acreditar que fora apenas imaginação. Naquela noite, ela olhou uma última vez para o céu, fechou a porta e pegou o caderno para escrever – queria deixar registrada a onda de emoções que a estava invadindo naquele momento, a verdade é que sabia que era melhor esquecer, porém seu coração desejava apenas mergulhar novamente, sem precisar voltar à superfície. Mergulhar até que os muros que havia construído fossem se dissolvendo e a deixassem livre para nadar no oceano de incertezas de um afeto romântico e doce. Ela ouviria seu coração que pedia mergulhos profundos ou a lógica que lhe assoprava aos ouvidos para que aumentasse suas proteções – se ainda houvesse tempo para isso.

07-10-2017