O rosa, o azul e a tragédia – O país que Lula herdou.

Após quatro anos observando um presidente que se ocupava constantemente em passeios, motociatas e outras futilidades, uma grande parte da população sentiu uma mistura de surpresa e alívio ao ver o presidente Lula trabalhando em pleno sábado. Compartilho do alívio bem como expresso aqui minha revolta ao ver mais uma vez que, enquanto a antiga “Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos” polemizava sobre cores “de menino e de menina” , um verdadeiro genocídio se abatia sobre o país: Pandemia descontrolada, violência polícial e fome vitimaram milhões nas cidades e, nas poucas áreas reservadas aos povos originários, o então  presidente revertia proteções e com sua retórica agressiva instituía politicas que criaram um ambiente permissivo a tudo que é violento e ilegal: Garimpo, mineração, agricultura e outras atividades semelhantes causaram mortandade entre os indígenas. As imagens que vimos ontem nos principais jornais nada mais são do que o triste resultado do descaso e dos ataques vivenciados pelos Yanomamis nos últimos quatro anos. É dantesco o país que Lula herdou. 

Nestes primeiros 22 dias de governo há sim algumas críticas a serem feitas – E é natural que existam, não devemos endeusar políticos , nunca. Mas tais críticas serão deixadas para outro momento. Por hoje sugiro que pensem sobre como é bom terminar uma semana acompanhando trabalhos sendo realizados e sobre o país que realmente desejamos construir, pois é por ele que devemos trabalhar e lutar diariamente, mesmo que isso possa parecer utópico. 

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O povo assume?

Dia 01/01/2023. Uma data que ficará marcada na história do país – Pela primeira vez um homem assume o terceiro mandato como presidente da república, e recebe a faixa presidencial das mãos de pessoas que representam o povo brasileiro – O ato, em si belíssimo, deveria ser copiado no futuro: Se todo poder emana do povo, por qual motivo não é sempre uma representação da pluralidade a passar ao próximo mandatário o símbolo de sua responsabilidade para com o país? Seja como for, o fato é que, ao menos simbólicamente o povo está de volta e muito embora o uso de linguagem neutra e o maior número de mulheres ocupando ministérios da história prenuncie um governo que de fato se importa com o bem estar da nação como um todo, ainda é importante entendermos que o povo não assumiu e de fato falta muito para que o faça: Para o povo tomar posse, de fato, é necessário quebrar essa recrudescida casca de desinteresse político, vencer as fake news, os preconceitos e a hipocrisia instalada. Aliás, a primeira prova do longo caminho que teremos a percorrer até extirpar de vez os males deixados pelo último governo aconteceu hoje, quando terroristas invadiram o congresso em um inconformismo criminoso e golpista. Se fosse uma luta pela educação, um protesto antirracista ou ambientalista, teriam levado tiro, porrada e bomba – Já vimos este filme várias vezes em nosso país. Mas como são TERRORISTAS golpistas, infelizmente o tratamento é, até o momento, bem mais brando do que de fato mereceriam. Aguardemos cenas dos próximos capítulos. 

Papo de busão: E o PT?

(Situações e conversas inusitadas dentro do transporte público)

Dia 31/10, um dia após a reeleição do presidente Lula. Estou eu, com a minha camiseta vermelha comemorativa a caminho do trabalho no busão nosso de cada dia quando uma senhora senta do meu lado. E outra senhora e um senhor, aparentando ter por volta de uns 50 e tantos anos, sentam-se bem atrás de mim. Começa a conversa em tom alto:

Senhora 1: – (…) Mas e o PT? De novo.

Senhor: – Errar é humano, persistir no erro pela terceira vez. Burrice demais (…)

Senhora 2: – Mas olha, não acredito nessas tais sensitivas, videntes que são tudo do diabo,  mas a sensitiva (não vou fazer propaganda do nome) diz que o Lula nem assume. Diz que tá doente e vai morrer antes.

Senhora 1: – Pois é verdade mesmo. Eu te encaminhei aquela mensagem do médico do hospital do câncer. O Lula ele coloca a boca nas “partes malditas” da mulher, e as “partes malditas” soltam um líquido que corrói o “home” por dentro. Por isso aquela voz.

Nesse momento algumas pessoas que estavam ao redor viraram a cabeça em direção ao inconveniente trio – um casal, assim como eu, usava vermelho. Nossos olhares se cruzaram e a risada foi instantânea, sonora e espontânea.

Comentário pós narrativa: Partes malditas? Meus amores, partes benditas, isso sim. De onde vocês acham que vieram? Da cegonha? Todo mundo passou pela vagina, seja como espermatozóide pra entrar na barriga da mãe ou como bebê, pra sair. 

Ah… E se fosse corrosivo metade da população não teria língua, garganta, dedos ou pênis. Dá um tempo e para de acreditar em fakenews.

A pizza, o suco de laranja e a naja presidencial.

Tem um dia de verão no meu inverno e isso me deixa sem vontade de fazer praticamente qualquer coisa, porém, lembro-me que hoje é Domingo, dia de falar sobre o país, o mundo, a pizza e o suco de laranja. Por falar em suco de laranja, com a prisão de Queiroz convertida em prisão domiciliar, aumentam os riscos de que, no final, a laranjada acabe em pizza – Aliás, como bom esposo, Queiroz já está dividindo a pizza e o suco de laranja com a esposa que estava foragida até este sábado, mas voltou para casa após ter sua prisão também convertida em domiciliar – Me recuso a pesquisar fundamentos jurídicos, mas arrisco dizer que é um fenômeno jurídico raro, talvez único, a conversão da prisão de uma foragida para uma condição mais branda. E por falar em laranjas, pizzas e casamentos, o presidente que no início da pandemia precisou ser judicialmente obrigado a mostrar um exame de coronavírus negativo, repentinamente apresentou sintomas e declarou ter contraído a doença – Por coincidência em uma semana sensível diante das investigações sobre as rachadinhas que, ao que tudo indica, aconteciam em seu gabinete desde a época em que foi deputado – A parte curiosa é: Quando a maioria da comitiva presidencial adoeceu, ele foi a exceção, agora, nem mesmo a primeira dama testou positivo apesar do contato com ele, o que levanta suspeitas em muita gente de que a doença seja apenas mais uma desculpa para esquivar-se das respostas que precisam ser dadas. Pelo há algo azedo na laranjada presidencial. Outro destaque da semana é o anúncio do novo ministro da educação – Lembram que domingo passado eu comentei que estamos andando a passos largos em direção a uma nova idade média e que se não tomarmos cuidado, logo haverá fogueiras em praça pública? Pois é! O que me dizem dessa velha novidade que parece ter sido retirada diretamente de um armário perdido nos séculos? Um religioso que não deveria sequer assumir uma Igreja, portador de opiniões antiquadas, defensor até mesmo da aplicação de castigos físicos sob a fala de que crianças precisam sentir dor. Para ser ministro deste (des)governo, aparentemente os requisitos são: Ignorância, pensamentos retrógrados, fascismo e uma exacerbada religiosidade que não passa de falsa moral, também conhecida como hipocrisia, e oportunismo. Possivelmente, a única notícia boa desta semana foi a quase liberdade da cobra escravizada pelo playboy do planalto central! Num ato heróico a serpente mordeu seu raptor e acabou levando a polícia a encontrar as outras espécies criadas clandestinamente, em condições insalubres e degradantes para a vida animal. Espero que as cobras sejam devidamente encaminhadas a um lugar confortável e adequado, afinal, vamos concordar que é muita tristeza ser seqüestrada, traficada e ainda viver no Brasil (des)governado pelo Bolsonaro – Aliás, talvez entregar para a naja nossa faixa presidencial fosse uma boa ideia, afinal ela não fala asneira, não pratica rachadinha, não aprecia suco de laranja e, principalmente, mata uma pessoa por vez, diferente do genocídio promovido pelo atual governo através do péssimo gerenciamento da pandemia e das políticas contínuas de desmonte da saúde pública e retirada de direitos básicos, e o melhor, após empossar a cobra, bastaria colocar um ser humano competente para tutelar o réptil e teríamos um início de recuperação para este país, que está na UTI apesar das manchetes irresponsáveis alardeando um falso novo normal. Sabe de uma coisa? O jeito é comer um bom pedaço de pizza (afinal, dia 10/07 foi o Dia da Pizza, segundo o calendário capitalista) e aguardar pacientemente o desenrolar da próxima semana.

Sobre pizza e sobre nunca ter feito amigos bebendo leite

O Domingo vai chegando ao fim. Que semana! Na cozinha, penso nos últimos acontecimentos – O caos mundial, por alguns momentos, toma o lugar da poesia, dos contos da menina, dos amores da mulher. Enquanto corto a berinjela, questiono, de mim para mim – O mundo não deveria ser um lugar belo, gentil, doce? E então, uma frase da Lou A. Salomé é sussurrada pela minha memória: “O mundo não lhe será gentil, creia-me. Se quiser ter uma vida, roube-a”. E assim, numa realidade onde as pessoas pertencentes às classes dominantes acordam e, antes mesmo de beber o primeiro gole de café, pensam “O que farei hoje para piorar a vida dos trabalhadores e destruir o meio ambiente?”, percebo que a grande maioria de nós tem feito muito pouco para “roubar” uma vida digna de ser vivida – E o sistema, embora não seja um ser vivo, vem roubando a nossa vida. E assim, vimos o Brasil aumentar descontroladamente o número de mortos pelo vírus, vimos o fechamento das bases do Projeto Tamar, vimos pessoas insanas imitando a Ku Klux Klan em apoio a um louco que ascendeu ao poder nas últimas eleições e, dia após dia, nos leva a um abismo. Nos Estados Unidos, um policial quebrou o pescoço de George Floyd, um homem negro já rendido no chão e o presidente de lá incita a polícia a atirar em manifestantes (O que esperar de quem separa mães e filhos na fronteira, além de barbárie). E não, não é o momento de tomar as ruas, existe um inimigo invisível capaz de dizimar populações inteiras, mas, por outro lado, “se queres ter uma vida, roube-a”, e é isso que essas pessoas que corajosamente estão nas ruas fazem: Tentam roubar de volta o direito a uma vida que o sistema capitalista nos tomou, e eles o fazem por eles e por nós. Meus olhos brilham ao ver a reação do povo norte americano e imagino que, se a cada jovem assassinado pela polícia brasileira, houvesse uma reação idêntica a que ocorre por lá, já não teríamos mais pedra sobre pedra ou já não teríamos mais tantos e tão freqüentes barbáries. Por lá, eles estão lutando e essa luta já se espalhou pela Alemanha. Quando chegará aqui? Outro caso interessante, pensado entre alho, cebola e uvas passas que irão para a panela: Hoje, brasileiros que desejam uma ditadura, foram às ruas e encontraram, nas mesmas ruas, brasileiros que lutam pela democracia – Quem apanhou? Os segundos, infelizmente. Fica aqui, neste texto, minha homenagem a eles e elas, que enfrentaram fascistas, polícia e vírus em nome do bem comum. Se não fosse o vírus, eu estaria nas ruas também, mas essa já é outra história. Por fim, enquanto coloco sobre a massa de pizza esse recheio de berinjela com passas, pedaços de pimentão e de tofu (quem quiser saber a receita da pizza, vá para o outro post, lá tem e o texto é menos indigesto), torço para que esse desgoverno não acabe em uma gigantesca pizza e ao mesmo tempo, lembro que preciso pesquisar sobre a relação entre beber leite e rituais de supremacia branca – Uma das últimas peripécias governamentais foi uma “live” bebendo leite e muitas pessoas dizem que há todo um escroto simbolismo no ato – Na dúvida, meus amigos, vos digo: Ainda bem que nunca fiz amigos bebendo leite!

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O jogo e as lições da semana.

Duas mulheres, um baralho e um hábito retomado com o início da quarentena: Jogar buraco. Jogo uma carta na mesa e ela diz: Vai jogar isso mesmo? A resposta arranca risos: Quer que eu faça o que? Sente em cima da carta igual o Maia está sentado em cima dos pedidos de Impeachment? Rimos. Nesta semana, aprendemos que não é difícil comparar o governo atual a uma conversa de boteco – Na mesa onde se deveriam discutir soluções para a grande crise sanitária que se abate sobre o país, uma horda de engravatados sisudos senta suas bundas e deixa a conversa correr solta – Entre palavrões, discutem-se as hemorroidas presidenciais e a utilidade da pandemia para mudar leis ambientais sem “os chatos da imprensa”. Pelas ruas, os tais cidadão de bem seguem empunhando suas bandeiras verdes – e – amarelas em defesa do indefensável. O palavrão que a um jovem daria o rótulo de vagabundo mal-educado e poderia até mesmo custar um emprego, na boca suja do abjeto ser, é apenas vocabulário comum – Não importa a eles o ambiente, não importa a eles todo o discurso genocida que acompanha os palavrões. Não choca ao “cidadão de bem” nem mesmo um ministro admitir que não gosta de determinados grupos étnicos.  Também aprendemos que é pra ficar em casa, mas isso não impede uma bala perdida de encontrar rapidamente seu caminho dentro da carne de mais um jovem negro. Mas é o Brasil, povo alegre! Verde e amarelo: O verde sendo devorado pelas madeireiras, pela mineração, pela agropecuária e o amarelo se acumulando nos bolsos imundos de tão poucos homens inescrupulosos. Uma nação dizimada por gafanhotos moralistas, os tais cristãos de bem, para os quais a propriedade está acima da vida, o lucro está acima da vida e o “amai-vos uns aos outro” só vale se o outro for de igual pensamento e torna-se  facilmente “armai-vos contra os outros”. Enquanto isso, valas comuns engolem pequenos universos com suas histórias de luta.