Um encontro de sabor (e cebolas). [Conto + receita de pão de cebola vegano]

Chovia. O feriado prolongado prometera dias de descanso, praia e sol e entregara dias cinzentos e muita água. Letícia olhou para a geladeira: Precisava urgentemente ir ao supermercado, mas sentia sono e muita preguiça ao imaginar as filas. Pegou uma maçã e começou a morder, desinteressadamente, sem saber se o que sentia ao certo era fome ou tédio. Um som leve interrompeu-lhe os pensamentos. Mensagem de texto de um número desconhecido: Gostei do teu tempero. Vamos cozinhar? Estou planejando fazer pão e assistir um filme aqui em casa, topa? Não havia assinatura na mensagem, mas Letícia sabia qual o único remetente possível. Há dois anos ela havia recusado uma sopa – Dezoito anos, sozinha pela primeira vez em uma grande cidade e pensando o pior de qualquer pessoa – Ainda sentia vergonha da pouca cordialidade que tivera na época. Agora, estava disposta a conhecê-lo melhor e ter ao menos um amigo no prédio. Respondeu a mensagem e tomou uma ducha antes de subir e bater na porta do apartamento 805.

            Berilo abriu a porta com um sorriso largo e o cabelo despenteado, com as pontas um pouco queimadas de Sol. Ele parecia estar sempre chegando da praia, tinha olhos de maresia e um peitoral largo “- Entra. Cozinhar no corredor é impossível”. Letícia deu um sorriso tímido e entrou. O apartamento era completamente diferente do que ela imaginava: Uma grande estante repleta de livros, alguns enfeites, uma mesa e quadrinhos com fotos de família. Ela corou ao pensar no próprio apartamento onde dormia num colchonete jogado a um canto e revirava caixas para encontrar qualquer livro que desejasse ler. Ele entregou uma touca – Vista isso – Aqui em casa cozinha é uma coisa séria. Letícia nunca imaginou que fazer pães pudesse ser uma experiência quase libidinosa – A cozinha pequena da kitnet mantinha os corpos juntos e, em alguns momentos ela encostava-se nele de maneira provocativa. Fizeram pães de cebola e ervas e a inevitável piada surgiu: Com tantas lágrimas, seriam eles dois ciumentos incorrigíveis? Como provocação ela respondeu que não era ciumenta, mas que tanta cebola certamente seria para deixar explícita a intenção de não beijar.  Quando colocaram os pães no forno, ele tirou a camisa – Estava calor apesar da chuva, e o forno ligado só contribuía para deixar o ambiente ainda mais quente. Alegando calor, ela ergueu a camiseta acima do umbigo e amarrou com um nó. Olharam-se com tensão. Berilo arrumou a mesa: Caponata de berinjela, hommus de grão de bico, patê de tofu e um litro de suco de laranja – Exceto o suco, tudo caseiro e vegano. Vamos ver como estão estes pães? Berilo surgia na sala com os pães. Letícia nunca havia imaginado que comida vegana poderia ser tão boa, então, lembrou-se do dia em que trocaram porções de caril e perguntou se ele acaso era vegano. Ele riu e respondeu que sim. “-Então, o que fez com o Caril que deixei na tua porta aquele dia?”. Berilo corou ao confessar que havia levado para o José da portaria. Letícia fingiu estar seriamente ofendida, mas não conseguiu segurar o riso por muito tempo, principalmente quando ele pediu licença e retornou com um vidro de enxaguante bucal “para quebrar os efeitos da cebola”. Não precisaram do enxaguante nem de outras palavras: Seus lábios e corpos se colaram. Letícia retirou a camiseta, deixando os seios à mostra. Berilo a puxou para mais perto, deixando-a sentir o volume por baixo da bermuda e sentando-se no sofá com ela no colo. Ofegavam em uma mistura de corpos e línguas e peles arrepiadas. Mãos se misturavam com coxas e ventre. Eles não ouviram quando alguém colocou a chave na fechadura e abriu a porta “- Desculpa interromper.”. Um rapaz branquelo e sardento olhava atônito para o casal. Era Caio, o ex-namorado de Berilo que, lembrando-se que não havia devolvido a chave e não tendo sido barrado na portaria, subira direto e acabara interrompendo o encontro – O que aconteceu entre eles depois que Letícia foi embora é assunto para outra receita – por agora, basta dizer que ela voltou para casa com mais calor do que estava e sentindo uma fome diferente, insaciável: Fome do cheiro e do corpo do vizinho do 805.

Receita do Pão de Cebola e Ervas

1 xícara de óleo de girassol

2 colheres rasas de açúcar

1 xícara de água quente

3 colheres de chia deixada de molho em ¼ de xícara de água

2 dentes de alho

Ervas: ½ maço de cheiro verde, 2 colheres de orégano, 2 colheres de erva doce, ½ maço de manjericão ou manjerona

1 colher (sopa) de sal

4 cebolas média

2 colheres (sopa) de fermento biológico

2 kg de farinha de trigo

No liquidificador bater as cebolas e a água quente. Colocar a chia hidratada com a água e bater mais. Em seguida, óleo, sal, açúcar, ervas e alho. Continuar batendo e acrescentar o fermento por último, com a mistura já fria. Ir acrescentando a farinha aos poucos, sovando até a massa não grudar nas mãos e ficar homogênea. Deixar crescer até dobrar de volume e fazer os pães, formando bolas que devem ser colocadas em assadeira untada e descansar até que colocando o dedo, a massa permaneça afundada. Assar em forno baixo, pré-aquecido, aumentando quando começar a dourar.

Essa história é a continuação da história da Letícia. Os primeiros capítulos estão aqui: 1 Cebolas e Ciúmes; 2 Letícia, o vizinho e o limoeiro – Ou como tudo começou, na versão dela.; 3 Letícia, a nova vizinha – Ou o prato de sopa onde Berilo acredita que tudo deveria ter começado.

Fotos dos pratos? Dá uma olhadinha lá no Instagram @poetisa_darlene

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O misterioso Sr. Noah (Conto BDSM, +18)

O conto a seguir foi escrito para um concurso literário com temática erótica/BDSM. Infelizmente, perdi o prazo de envio e, para que ele não fique parado em uma gaveta, estou publicando aqui. Se você tem menos de dezoito anos de idade ou não gosta deste tipo de leitura, peço que não continue a ler este post e procure outro – afinal, aqui tem conteúdo para todos os gostos. Se aprecia literatura erótica e é maior de idade, continue lendo e deixe um comentário.

Camila estava sentada sobre os calcanhares – Havia perdido a noção do tempo, mas os músculos de suas pernas já começavam a causar desconforto. As palmas das mãos viradas para cima, postura ereta, olhos baixos. Seguira todas as instruções enviadas por ele na mensagem de texto: O quarto escuro, exceto por uma vela lilás colocada em um suporte alguns metros atrás dela, o corpo nu, adornado apenas por uma coleira, a cama arrumada e, sobre a cômoda, os objetos que havia recebido pelo correio naquela manhã: Cordas de juta, um chicote de hipismo, um flogger, uma chibata, alguns braceletes com pesadas argolas de metal, uma mordaça, pequenos grampos e um dildo. Tudo organizado exatamente como na foto que acompanhara a caixa. A ansiedade a fazia ficar excitada – Em silêncio absoluto, ela tentava identificar passos pelo corredor ou o som da chave na fechadura – Era torturante estar de costas para a porta. Tudo havia começado com uma sacola plástica que rompeu na porta do elevador espalhando latas e outras embalagens pelo hall do prédio. Ela estava com pressa, mas ajudou o novo vizinho a recolher suas compras do chão. No dia seguinte, encontrou um cartão agradecendo pela gentileza. Depois disso, esbarravam-se diariamente todas as noites: Cultivavam o mesmo hábito de correr e fazer exercícios na praia. Não falavam, mas trocavam alguns olhares – O corpo dela respondia intensamente quando reparava na bunda dele espremida na sunga ou quando, ao sair ou retornar, sentia o cheiro dele naquele pequeno elevador – Inúmeras vezes fora dormir pensando nele, desenhando com as próprias mãos os caminhos que gostaria de senti-lo percorrer com dedos, lábios e falo, e só dormia depois de chegar ao orgasmo. Precisava tirá-lo da cabeça – Baixou um aplicativo para conhecer homens e, para sua surpresa, a primeira solicitação foi justamente a dele: Senhor Noah. Ela tinha certeza de ter ouvido o porteiro chamá-lo Francisco, ou estaria maluca? Aceitou a solicitação e começaram uma conversa que se arrastou pela noite. Falaram o suficiente, nem muito, nem pouco, apenas o suficiente para estabelecerem algumas regras – estranhas para ela em um primeiro momento – sobre como seria uma relação entre eles. Ela estava presa por um estranho e arrebatador desejo, pesquisou tudo o que pode sobre as palavras que ele sugeriu e, após um choque inicial, gostou do que leu e viu. Então, chegou a mensagem de texto e a caixa. Naquele dia ela deu uma cópia da chave do apartamento para ele. “- Pensativa, cadela?” – A voz firme ocupou o quarto de Camila, que não havia ouvido nenhum ruído que indicasse a chegada dele. “-Sim”, ela respondeu. Um tapa lhe acertou o rosto “- Sim, o que?”. “- Sim Senhor”. Ele a tratava como uma cadela, mandou que ficasse de quatro e caminhasse pelo apartamento, que beijasse seus pés e retirasse seus sapatos. E ela se sentia molhada, excitada. Tentou falar, mas ele lhe deu outro tapa, desta vez na bunda “Cadelas não falam”. Amordaçou-a e colocou em seus braços e tornozelos as algemas e tornozeleiras de couro, unindo-as com uma corrente, mas deixando espaço para que ela pudesse caminhar de quatro. Ela estava exatamente do jeito que ele desejava: Entregue, sem possibilidade de fugir ou gritar. “Lembra dos gestos de segurança, cadela?”. Ela levantou a pata direita, sinalizando que lembrava, fazendo-o sorrir por perceber que ela havia lido até o final as instruções. Então, ele se desnudou, caminhou em direção a ela, passando propositalmente o pênis ereto de encontro bem perto do rosto dela. Sentou-se na beirada da cama e sinalizou para que se aproximasse e o tocasse com o rosto – Ele estava extasiado ao perceber que em nenhum momento ela se afastava ou demorava a cumprir uma ordem, apesar de ser a primeira sessão deles e, em especial, a primeira experiência dela no mundo da submissão. Sem avisar, ele levantou e colocou o dedo dentro da gruta dela, úmida e inchada. Pegou o dildo e introduziu nela, fazendo-a gemer. “Agora, cadela, eu vou retirar a sua mordaça e a corrente que está prendendo seus tornozelos e seus pulsos, e você ficará de pé, com as pernas ligeiramente abertas e os braços apoiados na parede. Quero essa bunda bem empinada e quero que você lata a cada golpe que sentir”. Camila sentia o dildo entre as pernas, desejava poder tocar o próprio clitóris, sua respiração ofegava. Em seus quase quarenta anos de vida, jamais havia pensado que um dia iria se submeter, física ou moralmente, a um homem – E, de repente, lá estava ela, latindo feito uma cadelinha e quase gozando a cada golpe. Sentia sua pele arder, mas não queria dizer a palavra de segurança – Desejava explorar os limites do corpo que, por tanto tempo, só conhecera o prazer de suas próprias mãos. Então, repentinamente ele parou e ordenou-lhe que deitasse no chão, de barriga para cima. Retirou o dildo de dentro dela, trocando-o por um pequeno e potente vibrador. Se ela queria explorar o próprio corpo, ele desejava saber até onde ela seria capaz de ir – Prendeu os grampos em seus mamilos, ouvindo-a dar um gritinho de dor. Vendou-a para que não conseguisse enxergar e ordenou que se tocasse, mas não gozasse. Ele a via contorcer-se e diminuir o ritmo. Seu falo desejava introduzir-se naquela gruta úmida e, ela não sabe, mas, por um momento, ele quase cedeu ao impulso de possuí-la. Começou a se masturbar, e ordenou que ela gozasse para ele ver. Ela se entregou completamente ao êxtase e ele, enquanto ela ainda arfava, atingiu o ápice, derramando seu leite pelo corpo dela. Então, ele ordenou que ela se sentasse exatamente da maneira em que o havia recebido no inicio da noite, afagou os cabelos dela e ordenou que tomasse um banho. Foi até a cozinha e preparou uma pequena porção de legumes e macarrão, colocou em uma vasilha de cachorro e ordenou que ela se alimentasse. Depois, observou-a organizar dentro da caixa todas as coisas que havia enviado, deixou-a novamente sentada sobre os joelhos, desta vez com o despertador programado para que ela se levantasse dentro de quinze minutos. Observou-a por mais um tempo – Uma mulher deliciosa, sem dúvidas. Saiu, fechando a porta e empurrando a chave reserva por baixo da porta. Nos dias seguintes, Camila não o viu. Aguardou uma mensagem de texto ou notícia, em vão. O perfil na rede social de paqueras havia sido desativado. Recebeu uma carta “Cadela, eu ordeno que escreva cada uma das fantasias que imagina realizar. Você deve criar um pequeno blog e postar no mínimo três vezes por semana, quero revirar cada um dos seus pensamentos devassos. Você está proibida de se masturbar ou de manter qualquer contato sexual com outros homens ou mulheres. Comece relatando aquela nossa primeira noite e depois solte a imaginação. Não se esqueça de manter o anonimato: Ao criar o blog, utilize a assinatura “Cadela do Sr. Noah”. Até um dia”. Camila sabia que entre as regras estabelecidas naquelas longas conversas, estava a de jamais perguntar aonde ele iria ou quando iriam se encontrar. Foi até o computador e criou o blog. Dois meses após a primeira noite, ela recebeu outra caixa, desta vez com um par de orelhas e um plug anal que lhe proporcionaria um belo rabo. Uma mensagem de texto dizia: Prepare o apartamento exatamente igual a primeira vez. Tenho lido seus textos e acredito que merece uma nova sessão e, dependendo do seu comportamento, talvez ganhe um nome desta vez. Por hora, fique com um afago do Sr. Noah.

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Letícia, a nova vizinha – Ou o prato de sopa onde Berilo acredita que tudo deveria ter começado

(É possível entender este conto sem ler os outros dois, mas, caso você deseje – E eu espero que deseje – ler os dois primeiros contos e entender melhor a história, clique aqui e depois aqui)

Péssimo dia para uma mudança. Fazia frio e a garoa não dava trégua. Dois homens visivelmente mal-humorados vão tirando as caixas e móveis de dentro do caminhão-baú. Da janela, Berilo observa curioso o trabalho deles. Não parece nada fácil. Apesar do frio, se ocupa em tentar descobrir quantas pessoas irão morar no apartamento 701, o único vago do prédio. A pessoa teria alugado ou comprado? Seria uma família com crianças barulhentas ou um estudante universitário que chegaria tarde, fazendo arruaça e acordando os vizinhos de sono mais leve? Então, ele a viu: Uma moça de estatura baixa, pele bronzeada e cabelos encaracolados. Parecia bastante jovem, possivelmente iria morar com a família – Ao menos não haveria bagunça de criança pelos corredores nem ébrios desajeitados fazendo barulho pelas madrugadas. Ela era sem dúvida uma das criaturas mais bonitas que Berilo já havia visto na vida. Ele olhou para a sopa de espinafre que fervia no fogão. Podia parecer clichê ou cena daqueles filmes norte-americanos onde algum vizinho interessado em saber mais sobre novos moradores, leva uma torta de frutas e se oferece para ajudar em qualquer coisa. Talvez seguir roteiros clichês de vez em quando fosse uma boa ideia. Pensou em Marcus e em como seu coração se partira com o término repentino – Ele estaria pronto para flertar novamente? Seu coração respondia “não”. Seu corpo, subitamente enrijecido e arrepiado, respondia sim. Desligando a panela, desceu pelo elevador. Foi até a portaria verificar se havia correspondência e voltou bem a tempo de subir com a nova vizinha. Apresentaram-se. Ele com a voz quase sumindo, os olhos baixos e o corpo ligeiramente encolhido pelo frio e pela timidez. Ela com um sorriso cheio de covinhas e os olhos negros muito brilhantes e, ao mesmo tempo, desconfiados. Ele perguntou se ela e a família gostariam de um pouco de sopa de espinafre, para atenuar um pouco o frio. Ela brincou com o fato de que, se aceitasse, estaria fazendo duas coisas que a mãe sempre lhe dissera para não fazer: Conversar com homens estranhos e aceitar comida ou bebida de qualquer pessoa desconhecida. A brincadeira feriu os brios de Berilo – Então, a nova vizinha pensava que ele fosse um estuprador ou um bandido? Tanto pior para ela. Deu um sorriso amarelo quando ela saiu do elevador. Naquela mesma noite, encontraram-se novamente, ele estava na portaria entregando ao porteiro um pequeno pote com sopa, Letícia havia descido para esperar uma pizza que encomendara. Pensou em fazer uma piada sobre o acontecido de mais cedo, apenas para deixá-la constrangida, mas antes que pudesse abrir a boca, bateu os olhos na manchete de um jornal sobre a mesinha da guarita: “ VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – O AGRESSOR PODE ESTAR MAIS PERDO DO QUE VOCÊ IMAGINA”. E então, ele se sentiu triste pela atitude que tivera mais cedo: Ela não fizera por mal. Apenas devia estar assustada, morando sozinha pela primeira vez em uma cidade tão grande. Estava se defendendo de um mundo difícil. Ele a observou pegar a pizza e subir. Poderia ter entrado no mesmo elevador, mas sentia que seria constrangedor para ambos. Uma sensação de perda o inundou: Com toda sua timidez e medo do desconhecido, Berilo acreditava que jamais teria coragem de tentar conversar com Letícia novamente – Ele ainda não sabia que quase dois anos depois, uma folha de limoeiro iria dar a eles uma segunda chance de conversar. Outra coisa que ele não sabia é que o relacionamento deles seria tudo, menos um clichê ou conto de fadas.

Sopa de espinafre

3 colheres de sopa de azeite

1 cebola média picada

1 maço de espinafre em folhas

2 batatas grandes

2 dentes de alho picados

Sal, noz moscada, cominho e coentro em pó à gosto.

Ferva água e mergulhe o espinafre por um minuto. Retire, escorra bem e pique grosseiramente. Cozinhe as batatas enquanto, em outra panela, refogua a cebola, o alho e os temperos. Vá acrescentando ao refogado o espinafre cortado e as batatas já cozidas, escorridas e cortadas ao meio. Desligue o fogo e coloque o conteúdo da panela em um liquidificador, bata bem, acrescentando aos poucos 700ml de água. Volte para a panela, acerte os temperos, cozinhe até engrossar e sirva em seguida, colocando um fio de azeite por cima se desejar.

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Letícia, o vizinho e o limoeiro – Ou como tudo começou, na versão dela.

(Algumas pessoas me chamaram no direct para dizer que curtiram a história da Letícia e de seus dois amores, então decidi continuar o conto – Se você ainda não leu o início, é só clicar aqui)

Letícia desceu até a garagem carregando um banquinho. Dirigiu-se até o muro que fazia divisa entre o prédio e o terreno que pertencia a uma velha senhora ranzinza. Posicionou o banquinho rente ao muro, testou algumas vezes buscando certificar-se de que estava firme e não iria tombar. Odiava ser baixinha! Fosse um pouco mais alta, conseguiria alcançar o galho do limoeiro esticando o braço. Subiu e cortou duas folhinhas daquela preciosidade, guardando-as junto com a tesoura no bolso da calça. Repentinamente, um animal se mexeu entre os galhos, ela se assustou e sentiu o corpo ser arremessado para trás. Quis o acaso que um par de mãos a segurasse pela cintura naquele momento, guiando-a para o chão. Era o vizinho do andar de cima. Ela sorriu sem graça, agradecendo pela ajuda. Não conseguia encará-lo depois de quase cair literalmente em cima dele. O gato que a havia assustado postara-se no muro, com os pelos arrepiados e olhar ferino, era um animal magnífico. Ela buscava na memória o nome do vizinho enquanto ficava ali, parada, observando-o esticar o braço e retirar duas folhas de limão. “- Vamos subir?” – Ele falou retirando-a da letargia em que se encontrava. Letícia pegou o banquinho e caminhou lado a lado com o homem. “- Algumas vezes eu venho até aqui para buscar essas folhas de limão, elas são um ingrediente importante para um prato que aprendi a cozinhar ainda garota: O caril tailandês – Embora, na verdade, eu não tenha plena certeza de que se trata de um prato tailandês.”. Ela falou buscando quebrar o silêncio. Ele abriu a porta do elevador, sinalizando para que entrasse e sorriu pontuando que a intenção dele ao pegar as folhas fora a mesma que a dela: Preparar o caril tailandês, velha receita da avó. “– Seu apartamento é o 701, certo?” perguntou, quando abriu a porta para que ela descesse no sétimo andar. Ela apenas balançou a cabeça. “- Muito bem! Boa noite e bom jantar. Quando quiser companhia para colher folhas do limoeiro, me avisa”. Parecia que o gato havia comido a língua de Letícia, que novamente acenou com a cabeça, respondendo um tímido “tudo bem”. Naquela noite, um pouco mais tarde, ouviu alguém bater na porta e, quando foi atender, encontrou uma sacola com uma quentinha e um bilhete: “Aprecie uma amostra da minha aparentemente não tão exclusiva receita de caril, atenciosamente, vizinho do 805”. Ela sorriu e, sem pensar muito, colocou um pouco do que ela havia terminado de preparar em um potinho e subiu até o andar de cima, retribuindo a gentileza. De fato, o tempero dele era excelente e o sabor surpreendente com a troca do tradicional frango por cogumelo shimejji. Seria ele vegetariano? E será que ele iria ler o número do telefone dela escrito a lápis no final do bilhete que ela havia deixado?”

Receita: Caril Tailandês

400gs de Shimejji

1 cebola picada

1 dente de alho

½ bulbo de erva doce picado

1 colher (chá) de coentro moído

½ colher (chá) de pimenta vermelha picada

1 colher (chá) de raspas de casca de limão

1 colher (chá) de páprica

½ colher (chá) de cominho moído

2 colheres (sopa) de óleo

3 colheres (sopa) de shoyo

1 xícara de leite de coco

2 folhas de limão

2 pimentões vermelhos ou amarelos fatiados

10 cebolinhas fatiadas em tirinhas

Higienize e refogue bem o shimejji com um pouco de sal e azeite. Retire da panela e reserve. Bata no liquidificador a cebola, o alho, a erva-doce, coentro, pimenta, raspas de limão, páprica e cominho. Aqueça o óleo no fundo da panela onde já havia refogado os shimejjis ou então use uma frigideira funda e larga. Junte os temperos batidos e cozinhe por dois minuto. Adicione o Shimejji e mexa delicadamente até envolver totalmente no tempero. Junte o molho de soja, o leite de coco, as folhas do limão, 2/3 de  xícara de água, os pimentões e as cebolinhas. Cozinhe por mais quinze a vinte minutos e sirva em seguida.

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Cebolas e ciúmes

“Quem chora cortando cebola é mulher ciumenta” – Letícia estava cansada de ouvir o velho dito popular em casa. As lágrimas rolavam involuntárias para fora dos olhos conforme a cebola ia sendo cortada em pequenos quadradinhos, mas desta vez não havia ninguém por perto para repetir essas velhas crendices – Letícia havia saído de casa há dois anos, criando asas e voando para longe, bem longe. Sem dramas ou decepções, apenas o curso natural da vida. Seu mundo agora era uma kitnet, um colchão, algumas roupas, cozinha pequena, ônibus lotado, oito horas de trabalho e quase cinco horas de estudo, praticamente dezesseis horas fora de casa. Letícia era tudo o que poderia ser naquele momento: Mulher, trabalhadora, estudante, jovem. A única coisa que Letícia não era é ciumenta, apesar das lágrimas dizerem o contrário. Era cuidadosa, presente, carinhosa e um tanto super-protetora, mas jamais ciumenta. E de repente, ali, enquanto preparava aquela salada morna de lentilhas para o jantar, ela sentiu como se uma lâmpada se acendesse sobre sua cabeça, igual nos desenhos animados quando a personagem tem uma ideia: Ela precisava contar alguns novos fatos para sua família que ficara lá no interior do Estado e, sem querer, a cebola resolvera seus problemas. Limpou as mãos no pano, pegou o celular e discou, agradecendo mentalmente pelo desinteresse familiar sobre tecnologia e chamadas de vídeo.  Ao terceiro toque, o telefone foi atendido e ela reconheceu de pronto a voz da mãe. Conversaram e, como quem nada quer, ela citou estar preparando aquela tradicional salada “- Ah! Menina ciumenta! Deve ter chorado horrores cortando a cebola, hein?!”, a mãe disse em tom zombeteiro. Era exatamente essa reação que Letícia esperava para contar as novidades: “- Chorei sim, mas ciumenta, ciumenta, eu não sou. O ditado, no meu caso, saiu errado! Se eu fosse ciumenta, não estaria neste exato momento preparando a mesa para o meu namorado e o namorado dele, que agora é meu namorado também, portanto, seus genros, jantarem comigo”.  E assim, Letícia, deixando uma perplexa Dona Lígia ao telefone, imaginou ter desmentido a verdade popular que ouvira desde pequenina – Mal sabia ela que a recém descoberta poliafetividade estava longe de ser um indício de ausência completa de ciúmes. Mas isso é um capítulo para outro prato.

Salada morna de lentilhas

1 folha de louro

1 xícara (chá) de lentilhas

1 colher (chá) de sal

1 cebola inteira

2 colheres (sopa) de azeite

3 cravos da índia

2 colheres (sopa) de vinagre

2 dentes de alho picados

1 xícara (chá) de cebola picada

2 colheres (sopa) de salsinha picada

2 colheres (sopa) de cebolinha picada

1 xícara (chá) de pimentão picado

            Deixe a lentilha de molho por pelo menos doze horas e escorra. Espete os cravos na cebola inteira e coloque na panela, junte as lentilhas e o louro e adicione água fria até metade da panela. Tempere com sal. Cozinhe em fogo baixo até as lentilhas ficarem macias, porém firmes. Escorra e retire o louro e a cebola. Transfira as lentilhas para uma tigela. Misture os outros ingredientes e incorpore à lentilha.

O conto dos 33,33% ou o conto da confidência

Ela olhou ao redor curiosamente; estavam em um café nos fundos de uma casa – o lugar tinha ares daqueles pubs clandestinos que sempre aparecem em livros e filmes da época da Segunda Guerra Mundial. Quem passasse na rua sequer desconfiaria da existência daquele lugar acolhedor. Sentaram em uma mesa pequena junto a uma parede e a garçonete lhes serviu dois copos d’água, deixando-os à vontade. Sorriram, a conversa era agradável. Algumas vezes as mãos se tocavam brevemente por cima da mesa. Ela sabia que, quando menos esperasse, uma tensão sexual iria invadi-los, porém, enquanto isso não acontecia, ela aproveitava cada momento de contemplação daqueles olhos doces. E então ele faz a pergunta: “O que você sente por mim?”. A questão que ela evitou responder até mesmo a si mesma. A questão que deixa seu coração apertado em alguns momentos. Ela sorri, tentando ganhar tempo, enquanto sente os olhos dele a observando fixamente, sugando-a como dois portais. Ela respira fundo. É difícil falar de sentimentos – Ela não passou um ano e meio escrevendo contos em terceira pessoa como forma de proteção e distanciamento? Não buscou tantas vezes lembrar todos os momentos de amizade? Ela não tentou em vão erguer um muro? Uma fortificação que a protegesse? “- Uma mistura de amor, paixão e amizade”. Falou tentando não tremer. Era verdade afinal, ela o amava, mas também tinha paixão e amizade por ele. Respirou aliviada, dando a questão por encerrada. Ele, entretanto, tinha outros planos para a conversa “-Quanto de cada sentimento?” – Novamente ele a surpreendia, decidido talvez a desbravar os segredos que trazia na alma, talvez por ter desbravado tantos segredos ocultos em seu corpo. Ela sorriu. “- Em proporções iguais… 33,33%”. Mas qual seria afinal a diferença do amor e da paixão? Para ela, o amor é o sentimento mais puro e intenso, a vontade de estar perto, de cuidar. O amor vem da alma e prescinde das trocas físicas, do sexo – contenta-se apenas em compartilhar idéias, sonhos e momentos de inocência e sensibilidade. Já a paixão é o fogo, o desejo incontido pelo corpo, a paixão é o sentimento que a fazia permitir que ele a tocasse de forma impudica. Ele a ouvia com atenção, embora comentasse que não entendia os dois sentimentos da mesma forma. “-E não dói saber que eu não correspondo da mesma forma ao que você sente?” – Seu Dono era tão direto! Era complicado conversar – Os sentimentos dela e os da personagem se confundiam. Ela estava acostumada a não ser amada, mas sua personagem, não. E por mais que o costume ao não-amor a fizesse não sentir dor, em alguns momentos, ela se sentia sim melancólica – Muitas vezes a imagem dele invadia suas memórias em momentos aleatórios do dia e ela desejava abraçá-lo, desejava pedir que ele nunca mais soltasse suas mãos das dela. Mas ela respirava fundo e seguia em frente. E sorria – Afinal, se o que ela sentia por ele era uma mistura em iguais proporções de amor, paixão e amizade, ela era sim correspondida, ao menos na amizade e na paixão caso considerasse a sua definição pessoal desse sentimento.
Continuaram conversando até que ela, desastrada, derrubou o copo de água, molhando as roupas dele. Decidiram ir para outro lugar. Havia um brilho bem conhecido nos olhos de ambos. Ele dirigiu, pegou uma estrada escura em direção a periferia da cidade, parou em frente a uma casa com aparência de abandono. Atravessaram o jardim, iluminado somente pela lua. Ele abriu a porta que rangeu como se reclamasse do horário em que chegavam. Havia poeira pelo chão, os cômodos estavam relativamente vazios: Uma pia, um fogão. No único quarto, uma mesa de canto onde um velho telefone de disco quedava silencioso. Ele a fez se despir. Colocou-lhe a coleira e passou a corda pela argola. Caminhou pela casa com ela de quatro a seu lado – Como uma verdadeira cadelinha, cheia de desejos. Na sala, ele ordenou que ela beijasse seus pés, depois a colocou de pé, mãos apoiadas na parede, pernas ligeiramente afastadas. Ele a açoitava e a beijava, percebendo exatamente o momento perfeito para uma e outra coisa, a dor do flogger encontrando a pele de suas nádegas expostas a fazia sentir-se especial. A música escolhida pelo seu Dono combinava com a atmosfera abandonada e aterrorizante do local. O coração batia apressado. Ela precisava senti-lo ali dentro dela. Era urgente. Só a pele, o cheiro e as mãos não bastavam. Estar presa não bastava. Ela queria tornar-se uma só com ele, ao menos por alguns momentos. “- Eu quero o Senhor” – Ela não tinha coragem de expressar o que queria “- Como você me quer? Fala.”. Com o ar já faltando e os músculos se contraindo pelo desejo que se espalhava qual lava de vulcão, ela respondeu “- Eu quero que o senhor me foda gostoso, como uma cadelinha. Por favor.”. Ele esfregava o corpo dele no dela, prensando-a contra a parede. Ela o sentia duro e preparado. Ele a deitou sobre a mesa e começou a passar a língua pelos seus seios. Manteve as mãos dela presas acima da cabeça. Explorava sua escrava com as mãos e a boca e utilizava a língua para estimular ainda mais as regiões secretas de seu corpo – Ela o avisou que estava quase chegando ao ápice e ele ordenou que se controlasse. Ele a puxou bem para a ponta da mesa e se colocou dentro dela. Ela rebolava completamente entregue – E então, os corpos trêmulos ouviram um ranger e sentiram tudo se deslocar – A mesa partiu-se em dois pedaços, caindo. Vestiram-se rapidamente e saíram, não queriam que a vizinhança percebesse sua presença ali – Ele avisaria sobre o pequeno “acidente” ao dono da casa, mas não em uma noite de domingo. Ambos riram, apesar do susto e da vontade de terminar o que haviam começado. Ao deixá-la na estação, ele lhe deu um beijo nos lábios e ela tomou as mãos dele entre as suas e beijou-as devotamente. Entrou no trem com o corpo ainda pulsando e pedindo pelo seu Dono. Abriu o caderno e fez algumas anotações, releu e percebeu que não atingira com as palavras o efeito desejado – Ela sabia que aquela noite havia sido especialmente marcante – Não pelo sexo que fora finalizado de forma abrupta, mas pela conversa e pela confidência que lhe escapara dos lábios. Dias depois ela pensava nele depois de um dia longo e então abriu o caderno e começou a escrever. Era uma urgência. O cheiro do chá, o frio, a saudade e a doçura de tantos momentos bons. Ela precisava colocar tudo no papel, na foto, na tela. Escrever era dar vazão ao amor, a paixão e a amizade – E como era incrível encontrar o equilíbrio de poder sentir as três coisas ao mesmo tempo e saber que amar não significa cobrar amor e sim apenas senti-lo… A primeira linha continuava incompleta: O conto… Título era um problema para ela, talvez por ser uma espécie de rótulo, coisa que a menina não gostava – rótulos. Mas ela já estava perdendo o foco. Precisava voltar ao caderno. Deveria ter feito café, o cheiro de café sempre a levava para junto dele em pensamento. Aos poucos mais um conto ia tomando forma. Era o momento mais íntimo entre as duas mulheres que conviviam em um só corpo: O momento de escrever seus contos sobre a história especial e única que compartilhavam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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*Essa postagem faz parte do projeto Blog Everyday August/BEDA)

O conto da noite, do inverno e da entrega.

            As lágrimas insistiam em cair, apesar da felicidade – Sempre tivera sensibilidade ao cheiro da cebola. Na vasilha ao lado, os ovos, a ricota, o sal e a pimenta já estavam amassados, formando uma massa amarela e uniforme. Faltava a cebola e a salsinha e depois seria apenas colocar no pão, montando os sanduíches. Ela se sentia poderosa em sua cozinha – Era como se cada receita guardasse em suas entrelinhas sorrisos e momentos – E neste caso, a receita ainda era uma página quase em branco, a ser preenchida de acordo com a reação dele ao provar o sanduíche – Será que ele iria gostar? Ela estava radiante, apesar da chuva fina que escorria, do tempo frio e úmido que havia mudado os planos – De uma tarde ao ar livre para um filme no cinema que ela mais gostava. Tudo pronto deixou a cozinha e foi adentrar um território que, para ela, ainda era assustador: O espelho. Ela encarava aquele reflexo com perplexidade: Até onde ela era ela e até onde era a personagem? Ainda doía um pouco se lembrar das cenas em São Paulo – Até que ponto ela e a menina devassa compartilham sentimentos? Os olhos brilhavam – Insegurança, desejo, amor, medo, pressa. Roupa escolhida entrou no chuveiro e deixou-se ficar por longos minutos, a água quente escorrendo sobre a pele, o sabonete perfumado, o shampoo. Ela queria estar bela para o seu Senhor; observou seu corpo nu diante do espelho, a pele alva, as curvas dos seios, das coxas e do bumbum – Ele a fazia se sentir bela, e ela gostava dessa sensação. A noite estava apenas começando.

         Esperou-o na porta do cinema, com os ingressos nas mãos. Ela o viu chegar – Ele estava tão lindo. Abraçaram-se e, de braços dados, entraram. Na sala escura, as mãos dele logo trataram de desbravar partes do corpo dela que deveriam ser proibidas e, com a naturalidade de um guia que leva os turistas a um templo distante, ele habilidosamente, levou as mãos dela a tocá-lo, extraindo um prazer silencioso que se derramou por entre seus dedos. Ela sentia seu coração pulsar enquanto a respiração se dificultava e seus músculos mais secretos se abriam desejando poder arrastá-lo dali para um lugar onde ele pudesse fazê-la gritar e mergulhar no êxtase. Era a tortura mais doce. E de repente, ele apenas segurou-lhe a mão, permitindo um contato delicado e inocente, como se as sensações de minutos atrás tivessem sido parte de sua imaginação. Terminado o filme, caminharam juntos pelas calçadas. Ela estava embevecida, sentia que poderia segurar aquelas mãos para sempre, sem soltar, sem pensar e seu corpo respondia se aquecendo ainda mais, contrariando o vento frio que parecia desafiá-los a manterem o calor naquela noite de quase inverno.

         Estavam na casa dele. Deitados no sofá, falando da vida.  Ele iria se mudar para uma cidade um pouco mais distante, o que a fazia sentir saudades antecipadas. Um rock invadia a sala e todo o mundo parecia se resumir ali, nos dois, nos olhares que se procuravam, nos dedos que ela entrelaçava aos dele, nas palavras que ela tinha presas na alma e na garganta, como um laço. E então ele a vendou e a levou por um corredor. Havia vento. E havia música. Uma música gótica. Ele a ordenou que retirasse a roupa e fizesse uma reverência. Ela sentiu seus joelhos encostarem-se ao chão, ainda gelado apesar de ter sido forrado. Naquele momento, a menina-devassa tomava o controle. Ela estava lá para ser açoitada, para ser beijada, para ser devorada. E quando ele retirou a venda dos seus olhos por alguns minutos ela pode vê-la derramando sensualidade, nua, com prendedores de mamilos nos dois seios, encarando-se no espelho naquele quarto iluminado apenas pelas velas e pelo fogo que emanava de seus corpos nus. Ele deixou que ela segurasse o cabo de um flogger de tiras longas – Era pesado. A estrela da noite. Apoiou as mãos da parede, pernas entreabertas, o corpo ansioso por sentir na pele aquelas tiras. Uma, duas, três, cinco, oito vezes. Era dolorido e bom, como somente o amor e a submissão podem ser. Naquela noite ele colocaria a gag entre os lábios dela pela primeira vez – a bola preta dentro da boca, impedindo-a de gritar. Ele a tocava com desejo, depois a fustigava com o flogger, com o chicote de hipismo, com as mãos. Ela sentia prazer. Ela sentia vergonha quando ele pedia que se tocasse e, timidamente, obedecia, fazendo seus dedos adentrarem aquelas zonas tão suas, tão úmidas, tão obscuras e tão prazerosas. A voz dele era um guia natural até uma estrada de prazer.   Naquela noite, quando eles se despediram, ela sabia que já não seria suficiente escrever em seu diário em terceira pessoa para fugir de qualquer sentimento – Mergulhar nos olhos dele trazia a certeza da intensidade daqueles momentos que a deixavam assustadoramente vulnerável, era inútil tentar qualquer fuga. Era madrugada e ela precisava retornar. Ele a beijou no portão, antes ela entrasse no automóvel e se acomodasse no banco traseiro e acenasse para ele. Foi um beijo breve e intenso.  Ela não se atrevia a tentar escrever naquele momento, nem no dia seguinte pela manhã. Fez um pequeno rascunho e deixou em um canto qualquer. Aquela noite estava na memória, intensa como as outras, assustadoramente marcante. Uma sensação que não sumiria com o vento: Um dia, uma semana ou um século depois não faria diferença na memória, questão de tempo até que, como uma flor, um conto nascesse daquela lembrança. E assim, numa noite fria e repleta de saudades, quando outras histórias já haviam acontecido, ela se sentou diante da tela em branco e, com uma caneca de chá nas mãos, relembrando as sensações daquela noite, pegou o rascunho do diário e digitou – Manteve a posição de observadora ao escrever, ainda era ela contando as histórias da menina-devassa, agora com a certeza de que compartilhavam um o mesmo Senhor e o mesmo coração.

O conto do sonho, do luar e da chuva

Era como se fosse possível ouvir o silêncio da noite, denso e soturno. Os pés descalços tocavam a grama gelada pelo sereno da noite. Ela gostaria de poder abrir os olhos e ver seu corpo nu iluminado pela luz argentea do luar, mas estava vendada – Ela sentia prazer quando seu Dono a vendava, aguçando cada um dos outros sentidos. Seus braços estavam amarrados ao longo do corpo, mantendo-a em uma postura ereta junto ao espaldar alto da cadeira. Pouco antes ela havia sorrido ao ver aquela cadeira com estofado vermelho e detalhes entalhados na madeira, depois, ficara rubra ao perceber que tais detalhes nada mais eram que figuras de casais em posições luxuriosas. Talvez no final da noite estivesse experimentando alguma destas posições junto ao seu Senhor. Esse pensamento e o roçar das cordas em seus seios a fizeram sentir um arrepio que ela sabia não ser devido ao frio, apesar do leve vento gelado que percorria seu corpo e invadia sua região secreta, que se encontrava exposta -Havia cordas prendendo suas pernas junto as pernas dianteiras da cadeira, garantindo que Ele pudesse desbravar seus mistérios todas as vezes que desejasse. Ela arfava, ansiosa por sentir um toque. Tentava ouvir a respiração dele, mas só conseguia ouvir o próprio coração acelerado. Ele a beijou lenta e longamente e era torturante não poder usar as mãos para percorrer-lhe os cabelos. Ele começou a alternar os beijos entre a boca e o pescoço, usando as mãos ora para apertar-lhe levemente os mamilos, ora para desbravar sua gruta dos mistérios. Ela gemia baixo, desejava sentir ele ali dentro. Desejava abraça-lo. Ela estava quente e de repente ele se afastou e puxou seus cabelos. Ela gritou. Ele colocou um dedo dentro dela “- Como está molhada e pronta… Mas ainda não irá ter o que quer”. Ela podia ouvir ele caminhando ao redor dela e pressentia todas as vezes em que ele se aproximava e a acertava com a palma da mão na parte interna das coxas, ou batia em seu rosto, ou quando o frio que sentia em sua gruta foi substituído pelo calor úmido dos lábios e da língua de seu Senhor. Dentro dela um vulcão se preparava para a ebulição repentina que arrastaria tudo e acordaria os anjos e demônios da noite com seu grito. As cordas se soltaram e ela sentiu quando ele a carregou no colo, deitando-a sobre a relva, o cheiro de terra e grama amassada misturado ao cheiro dele formavam um aroma único. Sentiu que não conseguia fechar as pernas, que agora esticadas eram mantidas separadas, as mãos, por outro lado, foram unidas acima da cabeça. Pingos quentes começaram a tocar a pele da barriga, dos seios e dos braços – ela não podia ver, mas sabia que era cera. Ela implorava para que ele a tomasse ali, mas ele insistia em dizer que não era o momento e ela sentia como se a qualquer momento fosse derreter apenas com a proximidade da respiração dele. De repente, ela sentiu novamente as cordas soltarem suas mãos e pernas. Um trovão a assustou no exato momento em que ele se deitou sobre ela, adentrando seu corpo pulsante e quente e a fazendo rolar para cima dele, cavalgando-o enquanto uma chuva grossa molhava seus corpos sedentos um do outro. Ele sussurrava “-Você é uma feiticeira! A minha feiticeira iluminada por relâmpagos e luar.” Gritaram juntos quando o ponto alto do prazer os atingiu.
Naquele momento ela acordou na penumbra do quarto e sentiu seu corpo quente, repleto de um desejo indecente. Em vão tentou conciliar novamente o sono. Quando o Sol despontou no céu, ela imaginou como seria ter passado a noite com ele sob a chuva, como no sonho e depois ver o Sol raiar lado a lado. Sentiu saudades, mas foi fazer o café, sem tempo para escrever naquele momento.

Um conto de descobertas na escuridão, parte II: Coroada

Depois de algumas voltas com os olhos vendados e as mãos dele passeando pela sua pele, ele estacionou novamente o carro. A luz do sol inundou seus olhos quando ele removeu a venda de seus olhos. Sentiu o vento balançar seus cabelos quando abriu a porta e ficou em pé. Então ele pediu que ela fechasse os olhos novamente – ouviu o porta malas abrir e sentiu algo ser colocado em suas mãos – uma coroa com pedrinhas coloridas. Ela sorriu, ele delicadamente a virou e, retirando-lhe a coroa das mãos. Já não era o vento que mexia em seus cabelos, e sim as mão de seu príncipe que, com toda delicadeza lhe coroava. Caminharam pela rua pouco se importando com alguns olhares curiosos. Era seu dia, seu aniversário, e aquela tarde tão perfeita a fazia sentir-se uma princesa de verdade, uma princesa debutante do mais belo reino: O reino do coração daquele Príncipe que a escoltava com atenção e carinho pelas ruas naquele final de tarde quente. Ele a levou até uma sorveteria discreta e acolhedora – o geladinho do sorvete deslizando pelos seus lábios contrastava com o calor do desejo que inundava seu corpo. Ela simplesmente desejava que ele pudesse fazer amor com ela ali, deitada sobre aquela mesa entre sorvetes e coberturas – e pensar isso a assustava: Tais pensamentos jamais a haviam invadido antes! Sempre acreditara que um relacionamento feliz deveria ser casto e, de repente, sua imaginação devaneava libidinosamente. Seria ele um Príncipe ou um feiticeiro? Ou um príncipe feiticeiro que a arrasta em meio a tempestades e mistérios sensuais que até então desconhecia?

            O caminho de volta é tão intenso quanto o início do passeio – A venda nos olhos amplia seus sentidos, como se a retirada temporária da visão pudesse fazer com que tudo se tornasse mais intenso. Ela se esforça para calar seus próprios pensamentos – Deseja desesperadamente acreditar que aquela tarde foi um encontro entre um garoto e uma garota que estão descobrindo sentimentos intensos juntos, mas, no fundo, ela sabe que foi um encontro entre os personagens que criaram para viver em uma realidade paralela – um jogo onde há prazer sem que a paixão os fira. Ela sabe que, no dia seguinte, quando estiver comemorando sua primavera, ele estará presente em seu almoço entre amigos – e sabe que ele a olhará com o carinho da amizade, mas sem o ardor quase palpável com que a olhou hoje. Todos esses pensamentos não seguem uma linha de raciocínio, ela apenas tem lampejos entre um toque e outro, entre um sussurro e outro. Ele a está levando para casa – Uma princesa na carruagem de seu príncipe. E ela sabe que, assim que colocar os pés do portão para dentro, irá dedicar-se ao preparo dos pratos a serem servidos no dia seguinte, e que, ao cair da noite, após um banho, ela irá pegar seu caderno e escrever todos estes pensamentos – e nesse momento, observando a coroa repousar na estante, ela se sentirá novamente uma princesa, uma princesa solitária aguardando seu romântico final feliz que, provavelmente, não esteja escrito no livro da vida. E ainda assim ela irá sorrir, pois ao menos aquela personagem obscura, que é também parte dela, conseguiu encontrar seu lugar.

(25/11/2017)

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Um conto de descobertas na escuridão (Parte I)

            Olhou-se no espelho – usava um vestido preto com decote em V, de comprimento pouco acima dos joelhos. Ajeitou os cabelos – queria volume, ousadia e maciez. Em alguns minutos ele chegaria e ela deixaria de ser ela para tornar-se a personagem que descobrira em si mesma no último encontro – ela seria a Baby – uma jovem ávida por novas experiências que envolvessem seu corpo sem partir seu coração.  Ela sentiu os olhos dele passearem lentamente por ela enquanto ele abria a porta do carro – Ele dirigiu pouco mais de um quarteirão e parou para colocar-lhe uma venda nos olhos. Naquele momento toda sua visão se escureceu – E ela começou a perceber outras sensações com mais intensidade: O balançar suave do carro, as curvas, a música, a própria respiração… E de repente sentiu as pontas dos dedos dele passearem pela pele de seu braço – foi rápido, apenas um toque leve – que a fez suspender a respiração por alguns segundos. Pouco depois sentiu os dedos passearem levemente por cima de suas mãos e pernas – eram toques suaves, mas que a faziam vibrar. Acariciou seu pescoço e o rosto, delineando a linha dos lábios – e ela respirava pesadamente. Seu ventre se contraía com um prazer desconhecido e ela desejava que ele a tocasse em partes onde jamais havia desejado ser tocada antes – aquela parte que era o delta do corpo feminino estava latejando – havia um calor emanando de seu corpo. Era torturante que ele a acariciasse tão levemente e não permitisse sequer que ela o tocasse. Era deliciosamente torturante sentir o toque das mãos dele antes mesmo que a pele encostasse-se à dela, como se estar privada da visão a fizesse ampliar os outros sentidos. Ele colocou as mãos dela apoiadas sobre as coxas, com as palmas para cima. Acarinhou-lhe as palmas das mãos e os pulsos. A voz dele estava rouca, diferente da voz do amigo com quem convivia – era uma voz recheada de provocação e desejo –Ela e a sua personagem ainda brigavam – A personagem, satisfeita. Ela desejando ouvir uma declaração de amor que no fundo sabia que não aconteceria. Fechou os olhos, embora a venda não lhe deixasse ver nada. Concentrou-se apenas nas sensações boas que ele lhe dava e deixou que a Baby tomasse conta de seu corpo e mente. Ele parou o carro e, delicadamente retirou a máscara de seu rosto – estavam em uma rua estranha, meio deserta, quase abandonada.  – Ele indicou uma porta de madeira, com uma escadaria grande e ela subiu – Era um lugar agradável, simples, bastante alternativo. Ela observava a rede pendurada a um canto e secretamente desejava que ele a deitasse ali e a beijasse como se o mundo fosse acabar – fora o passeio surpresa perfeito. Ela já deveria saber o quanto ele podia ser surpreendente quando ele desceu as escadas chamando-a para acompanhá-lo até o carro. Colocou-lhe a venda sobre os olhos e a acariciou novamente enquanto rodavam pela cidade. Ele a tocou com mais intensidade desta vez, percorrendo com os dedos todo o espaço livre por baixo de seu vestido, explorando seu delta de feminilidade. Era constrangedor sentir aquele toque, mas ao mesmo tempo, ela sentia que iria desfalecer se ele parasse. Ele a provocava e a fazia gemer baixinho, quase ronronando como um felino. Ela desejava que ele a beijasse, mas ele tinha outros planos e não permitia que ela sentisse seus lábios mais do que alguns segundos. Ela desejava sentir a língua dele brincando dentro de sua boca enquanto as mãos exploravam suas pernas e recantos mais ocultos e pecaminosos. Ele perguntava com aquela voz rouca e sexy como era gostava de ser tocada, mas ela não sabia responder, pois nunca conhecera um toque antes. E ele alternando a velocidade e intensidade a acariciava, até que ela explodiu em um gemido e sentiu suas pernas se inundarem de uma umidade quente e o corpo relaxar libertando toda a tensão acumulada durante as carícias – atingira o primeiro orgasmo de sua breve vida – Ela desejava beijá-lo, tocá-lo, mas ele a deitou sobre as pernas com o traseiro levemente levantado. Acariciou com delicadeza “– nós vamos aprender duas palavras hoje – Amarelo e Vermelho” – ele disse. “- Amarelo você deve dizer quando sentir que seus limites estão sendo ultrapassados de forma desconfortável. Se você disser “Amarelo”, deixarei mais brandas as palmadas. Ele explicou também que “vermelho” é a palavra que ela deveria dizer caso realmente desejasse parar. Durante todo o tempo, suas mãos a acariciavam e sua respiração lhe deixava arrepiada – de repente, ela sentiu sua mão acertar em cheio suas nádegas “- Conte.” Ele disse. Foram sete palmadas.

Ela estava novamente sentada e presa ao cinto de segurança. Sentiu quando ele ligou o carro e colocou-se em movimento. A escuridão dos olhos vendados não lhe escurecia a alma ou os desejos que irradiavam em seu corpo. Ela sentia novamente as mãos a tocar suas partes mais intimas – tinha medo que alguém no carro ao lado pudesse ver, tinha medo de serem parados pela polícia e terem que explicar o motivo da venda – E a sensação de medo pouco a pouco ia se misturando com a sensação de desejo que a invadia como uma onda quente e intensa – A música, as mãos dele, a respiração dos dois, tudo a sugava para uma dimensão paralela e única – e neste momento ela ouviu a voz dele pedindo que não se segurasse – e então, ela deixou-se engolir novamente por aquela onda de prazer que a deixara sem chão.

(25/11/2017)