O conto dos três anos

A menina abriu o caderno – Fazia tempo que não escrevia nada para ele. Não por falta de vontade, mas por falta de palavras – Não havia texto que conseguisse retratar tudo o que ela sentia. Nos últimos dias ela escrevera sobre política, sobre arte, sobre culinária, sobre casais que não existem – Porque pela primeira vez era mais fácil falar no inexistente ou da arte ou do mundo – Do que falar do que ela realmente sentia e desejava falar. Mas hoje seria diferente – Hoje ela queria falar da saudade: Daquela sensação de distância que nos tira do eixo, que bate como uma onda no mar bravo e afoga o peito e o olhar. Daquela sensação de “Quando eu vou te ver de novo?” que ela sempre tinha ao final de cada encontro e que a fazia querer segurar as mãos dele e nunca mais soltar. Aquela saudade antecipada, compartilhada no beijo trocado antes de voltar para casa. E não é que de repente o mundo se havia encarregado de tornar tudo caótico e fazer com que a maior prova de afeto fosse justamente a distância? Nunca havia feito tanto sentido fechar os olhos e perguntar “quando?” – É como se naquele último dia de carnaval, no ponto de ônibus debaixo de uma garoa que ameaçava se tornar chuva, o coração já intuísse que aquele ano não seria como os outros. Hoje ela precisava falar da saudade daqueles olhos, do sorriso, de entregar o corpo aos caprichos dele para encontrar a liberdade de sua alma e de seu prazer ao se deixar atar nos calabouços dos desejos que ele lhe apresentara. A menina de três anos atrás já não era tão menina – Seu rosto permanecia quase o mesmo, mas seus olhos haviam aprendido o brilho da sensualidade; sua pele havia se acostumado ao toque que lhe deixava marcas de luxúria, seu corpo desejava ser comandado por aquela voz que tinha um timbre único de autoridade e desejo. A menina tornava-se mulher, embora soubesse que, perto dele, seu olhar sempre teria o brilho do encanto que só as meninas sabem ter ao se perder no céu de seus sentimentos impetuosos que insistem em ser ponte e não muralha.

 Ela sorriu – Apesar da distância ser uma experiência dolorida, pensar nele era um motivo para sorrir – Especialmente na noite que marcava exatos três anos depois daquele primeiro mergulho nos olhos mais profundos, doces e misteriosos que jamais conhecera e que, uma vez conhecendo, sabia que seriam sua mais doce prisão, enquanto ele a quisesse como prisioneira.

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