Lembro de observar o tabuleiro colocado no centro da roda. Para mim, era um momento de curiosidade e expectativa. Não lembro se estava calor ou frio, nem se estávamos no início ou no final do ano. Apenas esperava meu irreverente professor de educação física terminar a chamada e começar a aula. Eu não gostava nem um pouco de Educação Física, era uma criança chatinha, achava uma imbecilidade sem tamanho correr batendo uma bola no chão para depois arremessar na cesta, me entediava correr, pular, disputar – Exceções eram o futebol, que o professor se negava a ensinar nas aulas (e mesmo que ele ensinasse, eu era uma grande perna-de-pau) e a dança que vez ou outra ensaiávamos para apresentar em algum evento escolar – Na época, estava na moda o axé do “é o tchan” e o funk começava a despontar como preferência com o Bonde do Tigrão, e a direção da escola fazia vistas grossas (ou devo dizer, ouvidos grossos) para as letras completamente inapropriadas. Quando disse que meu professor era irreverente, não exagerei – Aliás, suspeito que hoje em dia ele seria considerado inapropriado pela maioria das pessoas que se dedicam a trabalhar com a educação – Mas na época, não sei como ou por qual motivo, tudo parecia normal. E assim começou minha primeira aula de xadrez, com o professor segurando as torres e dizendo que elas deveriam ficar nas pontas, pois são altas e deixam ter visão de tudo. Ao lado, os cavalos – Que “cagam” fedido e não devem ficar perto do rei e da rainha – sim, meu professor utilizava estes termos e nós, bom, ríamos. Em seguida ele mostrou o bispo e perguntou: O que o bispo não faz? Duas respostas ecoaram: Pecar e filho. O professor, bonachão, respondeu: Vocês que pensam! O bispo, ele não reclama, não trabalha e mete o bedelho na vida do rei, por isso ele fica do lado do cavalo, pra não reclamar do cheiro de estrume, e ao lado do rei e da rainha, para aconselhar e fofocar. Depois disso, ensinei minha mãe a jogar e por muitos anos se tornou uma atividade rotineira de lazer – Assim como os livros, as questões de matemática, o truco e o buraco. Com o passar dos anos e os compromissos naturais da vida – Como trabalhar de dia e estudar durante a noite – o hábito acabou se perdendo embora eu ainda tenha aqui em casa um mini jogo de xadrez. Quem sabe não retomo esse hábito na quarentena?