Ela suspirou – Um suspiro pesado de saudades que lhe ocupavam a alma, o corpo e o coração. As mãos haviam misturado o fermento, sal, açúcar, farinha e água e ela observava as pequenas bolhas se formando na fermentação – Foi se postar ao lado da janela enquanto aguardava o tempo passar – Não se permitia ter impaciências na cozinha e, na medida do possível, tentava ser paciente também na vida. Misturou ao fermento a aveia, a água, o sal, o azeite, linhaça e a farinha de trigo até dar ponto. Abriu a massa e fez um disco grande e vários disquinhos menores. Levou ao forno. Para ela, as receitas, ao longo do tempo, iam se tornando pequenas coleções de memórias – E em especial, aqueles pequenos discos que iam ganhando cor no forno, exalavam, além do aroma de pão fresco, o aroma de encontros especiais na casa dela ao fim da tarde. A espera até que ele chegasse, a troca de olhares intensa, o momento em que, ajoelhada aos pés dele apoiava a cabeça em seus joelhos. O tempo havia passado tão rápido quanto o tempo de tirar os disquinhos do forno, e, no entanto, tais memórias já estavam próximas de completar dois anos. Passou molho de tomate no disco maior e colocou brócolis e couve-flor refogados, pedacinhos de cebola, tomate e pimentão. Regou com azeite e orégano e colocou no forno. Ela sorria, lembrando o sorriso sexy dele, as mãos atrevidas, o aroma da pele, o sabor do beijo, a sensação de estar protegida em um abraço – Ele gostava daquela massa de pizza, mas entre todos os recheios que ela deixava prontos nos potinhos para que montassem juntos suas próprias pizzas, ele jamais escolheria uma opção vegana com brócolis. De tantas saudades que as pessoas acumulam talvez a saudade de cozinhar seja a mais sutil e ao mesmo tempo, uma das mais melancólicas – Afinal, cozinhar, mais do que alimentar o corpo, constrói afetos, lembranças, histórias. E a menina sabia disso, pois, uma das tantas meninas/mulheres que trazia como parte de si mesma já lhe havia segredado que, poesia e amor se fazem nos olhares, no papel, no toque de dois corpos e nas alquimias sutis de uma cozinha. Assim, naquela noite fria, ela resgatou memórias, degustou sonhos e ousou ter esperança de que, se escrevesse em seu diário o que lembrava e o que sentia, o tempo passaria mais rápido e ela poderia novamente mergulhar naqueles olhos profundos encontrando lá dentro toda a imensidão de seus desejos e sentimentos.
Uow! Que intenso.
Me identifiquei com seu conto de uma forma indescritível.
♥️
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❤
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Gostei demais desse conto e concordo plenamente na passagem de que a cada encontro gastronômico é uma passagem da nossa fica que fica gravado em nossas memórias, pois nessas horas tudo pode acontecer.
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Cozinhar é um dos meus melhores momentos ❤
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Não sei se já comentei por aqui que gosto desses seus textos que capturam um fragmento de uma vida e contam uma história misturada com uma quase receita. Me encantam as pessoas que tem essa relação com a cozinha porque, como já te disse, não cozinho: não gosto, não sei, não tenho paciência para aprender. Mas, curiosamente, gosto muito de ler/ouvir quando as pessoas tem essa relação quase mágica com o ato de cozinhar. É algo tão diferente da minha realidade e talvez justamente por isso me encante. Achei incrível como no texto a personagem deixa aflorar toda a sua saudade através da relação com o ato de preparar uma receita.
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Obrigada ❤
Cozinhar é um dos melhores atos do meu dia, sou super apaixonada pelo meu próprio fogão, pelo momento meu, comigo, pra mim (e pra pessoas que amo) que tenho quando estou as voltas com panelas e massas…rs… Agora mesmo tem uma pizza no forno
❤
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[…] de berinjela com passas, pedaços de pimentão e de tofu (quem quiser saber a receita da pizza, vá para o outro post, lá tem e o texto é menos indigesto), torço para que esse desgoverno não acabe em uma […]
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Que texto lindo!!! Seu texto me levou de volta a infância, lembrei de uma vizinha, que sempre levava um pratinho de alguma coisa, e ficava lá horas conversando e jogando conversa fora, eu adorava e já previa o toque da campainha quando da sua janela o cheiro de bolo, pão chegava até a minha cozinha…Hoje nem sei quem são meus vizinhos e nenhum cheiro chega até aqui…
Abraços
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Ah, é triste e isolada demais essa vida moderna, principalmente nas grandes cidades… Fui ensinada a sempre levar algo quando fosse visitar alguém: Um bolinho, pãozinho, biscoitinho. Aqui em Santos esse comportamento é estranho (Mas as pessoas até gostam heheh)
Abraços
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