A história de uma moça nordestina de dezenove anos, mal alfabetizada, sozinha no Rio de Janeiro, vivendo uma vida miserável sem perceber sua própria infelicidade (ou os milhares de motivos que teria para ser infeliz). Um enredo que, exposto assim, em palavras resumidas, parece bastante cansativo e desinteressante, tornou-se uma obra prima nas mãos de Clarisse Lispector. Macabeia, a moça desengonçada, sonhadora e pobre, é o retrato talvez um tanto caricato de tantas mulheres vítimas de um sistema social que castiga os mais pobres em detrimento dos mais ricos – ela, assim como muitas, não se vê em condições de lutar por nada melhor. Seus dias são sempre iguais, sem vaidades ou mesmo cuidados com a saúde debilitada desde tenra idade por conta da desnutrição – mas ela sonha seus sonhos de amor e deseja um dia ser uma estrela do cinema – aliás, pintar as unhas de vermelho e ir ao cinema uma vez ao mês é seu único luxo. A história da moça é narrada por um autor que conversa o tempo todo com o leitor – parece que ao ler cada página, encontramos um conhecido que vai contando a história de uma moça que ele conheceu ao andar pela rua – não parece uma obra escrita, e sim uma prosa, uma conversa na mesa de bar, narrada com uso poético das palavras mais simples. De início, talvez “ouçamos” um tanto desinteressados o narrar do autor (que idéia fabulosa da Clarisse essa de criar um autor para a história), mas com o avançar das páginas, passamos a acompanhar com curiosidade o destino da jovem, rindo um pouco de sua falta de jeito com a vida, sua gentileza e seu olhar de esperança. Torcemos e sofremos por ela até o derradeiro momento da história. É uma história tocante pela desigualdade, pela injusta luta de classes onde alguns, de tão oprimidos, não conseguem sequer perceber a necessidade de lutar, de mudar, pois até mesmo o menor dos resquícios de um pensamento crítico lhes foi sistematicamente retirado – foi essa a intenção da autora ao dar vida à Macabeia em suas páginas? Talvez sim, talvez não. Quem sabe? Certamente há por aí algum estudo sobre literatura que aprofunde esta questão, o fato é que neste momento, isso é uma percepção pessoal minha sobre o livro, percepção que buscarei aprofundar em outro texto mais adiante, não hoje, não agora, onde tudo que importa é dizer – leiam! A Hora da Estrela é um livro indicado para vestibulares e é um livro pequeno e agradável em toda a sua dureza, em todas as suas ruas sujas, trânsito e portos, em toda fome e mal-cheiro que suas páginas nos fazem conhecer. Apenas leiam e depois, se quiserem, digam o que acharam da leitura.